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Resumo

  • De acordo com investigadores de ciência política da Universidade de Lisboa, existe uma linha de continuidade ideológica entre o fascismo histórico e os actuais movimentos da extrema-direita europeia.
  • A banalização de ideias outrora impensáveis – como a superioridade étnica, a criminalização da imigração ou o desprezo pelos direitos das minorias – ocorre frequentemente em nome da ‘liberdade de expressão’.
  • Organizações da sociedade civil, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, têm lançado alertas sobre o aumento da violência política, dos crimes de ódio e da repressão policial em nome da ‘ordem’.

Um século após a ascensão de Mussolini ao poder em Itália, o fascismo continua vivo – não nos desfiles de camisas negras nem nas saudações romanas, mas sob novas formas, com novas linguagens, adaptado aos tempos digitais. A ideologia autoritária, ultranacionalista e antidemocrática que moldou a história europeia do século XX ressurge hoje sob máscaras populistas, discursos de ódio e redes sociais envenenadas.

De acordo com investigadores de ciência política da Universidade de Lisboa, existe uma linha de continuidade ideológica entre o fascismo histórico e os actuais movimentos da extrema-direita europeia. O neofascismo de hoje abandona os símbolos clássicos, mas preserva o mesmo núcleo doutrinário: culto do chefe, exaltação da nação, desprezo pelas instituições democráticas e perseguição de inimigos internos.

“Não se trata de revivalismo, mas de mutação estratégica. O fascismo reaprende a andar”, observa o politólogo Rui Morais, sublinhando que muitos dos novos actores políticos evitam o rótulo, mas adoptam na prática os métodos e os alvos. “É o velho conteúdo com embalagem nova.”

Disfarces digitais

A evolução tecnológica deu ao neofascismo contemporâneo um instrumento de propagação eficaz: as redes sociais. Plataformas como X (antigo Twitter), Telegram ou TikTok tornaram-se espaços privilegiados para a disseminação de desinformação, racismo cultural e teorias conspirativas com roupagem patriótica.

O fenómeno é global. Em França, a retórica identitária cresce com Marine Le Pen. Na Hungria, Viktor Orbán governa com mão dura em nome dos “valores cristãos”. Em Itália, Giorgia Meloni é herdeira confessa do Movimento Social Italiano, fundado por ex-militantes fascistas após a guerra. Em Portugal, o partido Chega – embora rejeite publicamente o epíteto – recorre a estratégias discursivas que, segundo analistas, alinham com tendências autoritárias.

Segundo um relatório recente da Comissão Europeia sobre o discurso de ódio online, os grupos extremistas estão a sofisticar os seus meios de comunicação, empregando memes, vídeos emocionais e algoritmos para alargar audiências entre jovens descontentes. “É um fascismo de emojis e hashtags”, sintetiza o sociólogo André Vieira.

A normalização do inaceitável

A banalização de ideias outrora impensáveis – como a superioridade étnica, a criminalização da imigração ou o desprezo pelos direitos das minorias – ocorre frequentemente em nome da ‘liberdade de expressão’. Essa retórica não só distorce os princípios democráticos como procura subvertê-los a partir do interior. “O perigo já não é o golpe de Estado clássico. É a corrosão progressiva por via eleitoral”, alerta a constitucionalista Helena Matos, da Universidade Nova de Lisboa.

Este padrão histórico não é novo. Hitler e Mussolini chegaram ao poder por vias legalistas e parlamentares, explorando as fragilidades das democracias liberais da época. Hoje, políticos com discursos semelhantes utilizam o sufrágio como cavalo de Troia. Vêm pelas urnas, mas governam contra elas.

Defesa democrática

Face à ameaça crescente, instituições e cidadãos devem estar vigilantes. Organizações da sociedade civil, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, têm lançado alertas sobre o aumento da violência política, dos crimes de ódio e da repressão policial em nome da ‘ordem’.

O combate ao neofascismo passa pela educação para a cidadania, pelo jornalismo crítico e pela defesa intransigente dos direitos humanos. “Mais do que rotular, importa compreender”, defende Maria João Tavares, professora de Filosofia Política. “Só conhecendo a natureza do fascismo é possível desmascarar os seus novos rostos.”


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