Resumo
- Na prática, o DSA empurra as plataformas a policiar-se — e delega nos Estados-membros a batuta da fiscalização.
- O Governo aprovou uma proposta de lei em Outubro de 2024 que atribuía esse papel à ANACOM, deixando ERC e IGAC como autoridades sectoriais — mas o diploma só passou no Parlamento em Dezembro e continua sem publicação em Diário da República Centre for a Digital Society.
- Falha identificadaConsequência imediataPossível remédioCoordenador sem poder sancionatórioBruxelas pode avançar para coimas diáriasDecreto-lei de reforço de competências da ANACOM + ERCAusência de regras nacionais de multasPlataformas invocam vazio legalIntegrar tabela de sanções no Orçamento do Estado 2026Falta de portal único de denúnciasUtilizadores perdem canal oficialParceria CNCS-GovCert com login gov.
O Digital Services Act (DSA) promete impor transparência inédita às plataformas online, proteger utilizadores e obrigar gigantes como X, Meta ou TikTok a remover conteúdos ilegais em horas. Mas, a meio de 2025, Portugal ainda não designou formalmente o seu Coordenador de Serviços Digitais e enfrenta um processo por incumprimento em Bruxelas. A nova lei europeia equilibra-se, assim, entre o dever de moderação e o direito fundamental à liberdade de expressão. Quem vigia quem? E que custos — económicos e democráticos — estão em jogo?
Porque é que o DSA muda as regras do jogo
O regulamento aplica-se a todo o mercado único desde 17 de Fevereiro de 2024 e cria obrigações graduadas: desde simples fornecedores de alojamento até VLOPs (Very Large Online Platforms) com mais de 45 milhões de utilizadores. Entre as novidades contam-se:
- Botão de denúncia visível para conteúdos ilegais
- Transparência sobre algoritmos de recomendação
- Acesso a dados para investigadores credenciados
- Multas até 6 % do volume de negócios global
O objectivo oficial é “evitar actividades nocivas em linha e salvaguardar direitos fundamentais” European Commission. Na prática, o DSA empurra as plataformas a policiar-se — e delega nos Estados-membros a batuta da fiscalização.
Portugal em falta: o relógio jurídico já conta
Bruxelas processou Portugal, Espanha, Chipre, Polónia e República Checa por falharem prazos de transposição: nenhum destes países designou, com plenos poderes e sanções próprias, o respectivo Coordenador de Serviços Digitais Reuters. O Governo aprovou uma proposta de lei em Outubro de 2024 que atribuía esse papel à ANACOM, deixando ERC e IGAC como autoridades sectoriais — mas o diploma só passou no Parlamento em Dezembro e continua sem publicação em Diário da República Centre for a Digital Society.
Estamos perante negligência administrativa ou cálculo político para evitar fricções com as “big tech”?
Liberdade de expressão: risco de over-blocking?
O DSA exige remoção rápida de conteúdos ilegais, mas não define de forma exaustiva o que é discurso ilícito. Associações de direitos digitais alertam para “moderação preventiva excessiva” — plataformas podem apagar textos legítimos por medo de coimas. A ERC reconhece “tensão entre celeridade e garantias de contraditório” e promete directrizes claras quando o regime nacional entrar em vigor erc.pt.
Será que a pressa em apagar não acabará por silenciar críticas legítimas ao poder?
Bruxelas já puxa das garras
Desde Agosto de 2023 a Comissão investiga X, Meta e TikTok por falhas em desinformação, publicidade política e proteção de menores EunewsPOLITICO. Em Maio de 2025, abriu dossiês formais contra Apple e Meta — embora ao abrigo do “gémeo” Digital Markets Act — sinal de que a tolerância acabou European Commission. A mensagem é clara: o relógio das grandes tecnológicas conta em multas bilionárias.
O que muda para os media portugueses?
- Acesso a dados — Redacções ganham base legal para exigir métricas de alcance de desinformação; sem coordenador nacional, pedidos ficam pendentes.
- Custos de conformidade — Plataformas podem cobrar pelos novos painéis de transparência, encarecendo a distribuição de conteúdos jornalísticos.
- Prioridade nos feeds — Obrigações de risco sistémico podem favorecer fontes públicas fiáveis — ou, ironicamente, empurrar ainda mais tráfego para wall-gardens pagos.
Se o jornalismo depende de algoritmos opacos, conseguirá o DSA abrir a “caixa-preta” a tempo de salvar receitas?
As peças que faltam no puzzle luso
| Falha identificada | Consequência imediata | Possível remédio |
|---|---|---|
| Coordenador sem poder sancionatório | Bruxelas pode avançar para coimas diárias | Decreto-lei de reforço de competências da ANACOM + ERC |
| Ausência de regras nacionais de multas | Plataformas invocam vazio legal | Integrar tabela de sanções no Orçamento do Estado 2026 |
| Falta de portal único de denúncias | Utilizadores perdem canal oficial | Parceria CNCS-GovCert com login gov.pt |
| Recursos humanos limitados | Investigações arrastam-se | Fundo FCT para recrutar peritos em data science |
Terá Portugal ambição orçamental para fiscalizar empresas que valem mais do que o PIB nacional?
Passos concretos para não perder o comboio europeu
- Publicar já a lei de execução — Sem Diário da República, não há efeito jurídico.
- Plano integrado de literacia — O DSA prevê relatórios anuais de direitos fundamentais; Portugal pode usá-los para campanhas de clarificação.
- Janela de dados para investigadores — Seguir o exemplo da Irlanda, que lançou DataSets-for-Good em parceria com universidades.
- Mecanismo de queixa acelerada — Inspirar-se no modelo finlandês: decisões administrativas em 48 h, revisão judicial em paralelo.
Ficaremos espectadores ou actores na construção do novo fórum digital europeu?
Conclusão
O Digital Services Act ergue-se como manual de instruções para um espaço público cada vez mais mediado por algoritmos. Portugal, pioneiro em despenalizar opiniões em linha nos anos 90, corre agora o risco de ser aluno repetente na disciplina de regulação digital. Entre o medo de censura e o caos da desinformação há uma via média: regras claras, coordenação bem financiada e fiscalização isenta.
Sem implementação célere, Lisboa pode somar multas a cada dia de atraso — mas o custo político é ainda maior: deixar cidadãos entregues a feeds que recompensam o escândalo em detrimento da verdade. A liberdade de expressão não floresce num pântano de ruído; precisa de solo firme de transparência e responsabilidade. O DSA oferece-lhe ferramentas. Falta-nos a coragem — e a pressa — de as usar.
Próxima pergunta inevitável: vamos continuar a debater o DSA em salas de conferências… ou trazê-lo, finalmente, para o Diário da República?