Resumo
- Estudos recentes da EU DisinfoLab e da Digital Forensic Research Lab mostram campanhas de astroturfing ligadas a eleições, movimentos anti-vacinação, agendas anti-imigração e até causas ambientais.
- A fronteira entre o que é real e o que é coreografado está a esbater-se.
- E quando o aplauso é comprado, o poder deixa de vir do povo — passa a vir do algoritmo.
Num mundo saturado de likes, partilhas e “tendências”, o que parece espontâneo nem sempre o é. A técnica tem nome — astroturfing — e está a infiltrar-se no debate público com efeitos corrosivos. Consiste em criar uma falsa aparência de apoio popular a uma causa, campanha ou figura política, recorrendo a bots, perfis falsos ou redes coordenadas. Uma encenação digital que engana cidadãos, manipula jornalistas e distorce a percepção democrática do que é, de facto, legítimo.
Do relvado ao ecrã — a origem da metáfora
O termo vem do AstroTurf, uma marca de relva artificial. O paralelo é claro: em vez de movimentos orgânicos (grassroots), temos aplausos fabricados — likes encomendados, hashtags planeadas, indignações automatizadas.
Estes fenómenos não são meramente irritantes. São armas de guerra informativa. E cada vez mais acessíveis.
Como funciona o truque
- Perfis falsos ou automatizados: milhares de contas replicam conteúdos, insultam opositores ou promovem narrativas específicas.
- Hashtags coordenadas: movimentos aparentemente virais são muitas vezes lançados por agências ou grupos com objectivos claros.
- Amplificação mediática: quando a falsa mobilização atinge certo volume, torna-se notícia — e ganha peso real.
- Retroalimentação: políticos e comentadores referem o “sentimento popular”, reforçando a ilusão de que “o povo está com eles”.
Casos concretos — e as pistas deixadas
Estudos recentes da EU DisinfoLab e da Digital Forensic Research Lab mostram campanhas de astroturfing ligadas a eleições, movimentos anti-vacinação, agendas anti-imigração e até causas ambientais. Em Portugal, embora menos documentado, há sinais visíveis: picos súbitos de apoio a certos conteúdos políticos, ataques coordenados a jornalistas, contas recém-criadas com padrões idênticos de publicação.
A fronteira entre o que é real e o que é coreografado está a esbater-se. E isso mina a confiança no debate público.
Por que é perigoso? Porque vicia o jogo democrático
A democracia assenta num pressuposto: a expressão política deve reflectir vontades reais. O astroturfing sabota esse equilíbrio. Cria a ilusão de maioria onde há minoria, sufoca vozes dissidentes com ruído e pressiona decisões com base em métricas manipuladas.
E não só desinforma — também desmoraliza. Perante a sensação de “opinião pública esmagadora”, muitos recuam. A falsa unanimidade cala, impõe, manipula.
Respostas possíveis: tecnologia, regulação, transparência
- Plataformas devem identificar e remover redes coordenadas, tornando públicos os seus relatórios de integridade eleitoral e automatização de contas.
- Media precisam de maior rigor na leitura de tendências digitais — cruzando dados, verificando origens, evitando amplificar falsos consensos.
- Cidadãos devem ser educados para reconhecer padrões de manipulação: perfis sem interacções humanas, linguagem repetitiva, contas com histórico nulo.
- Estado pode legislar para obrigar campanhas políticas a declarar o uso de automatismos e penalizar concertações digitais fraudulentas.
Fabricar legitimidade é trair a cidadania
O astroturfing é, no fundo, uma fraude cívica. Finge-se representação para ganhar influência. Compra-se apoio para moldar percepções. E quando o aplauso é comprado, o poder deixa de vir do povo — passa a vir do algoritmo.
A democracia não exige unanimidade, mas autenticidade. E, para isso, o primeiro passo é separar o que é clamor genuíno do que é apenas… barulho programado.