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Resumo

  • O 25 de Abril entrou para a história como símbolo de liberdade, democracia e autodeterminação, conduzido por militares que se recusaram a continuar a guerra colonial e abriram caminho a uma nova ordem constitucional.
  • Veteranos de Abril e oficiais no ativo lembram que o movimento de 1974 não foi um golpe partidário, mas uma ação coletiva contra um regime totalitário.
  • A doutrina militar portuguesa continua a destacar a lealdade à Constituição e a defesa do Estado de direito como princípios basilares, incompatíveis com agendas que promovem exclusão e discriminação.

Em 1974, os cravos nas espingardas anunciaram o fim de quase meio século de ditadura. O 25 de Abril entrou para a história como símbolo de liberdade, democracia e autodeterminação, conduzido por militares que se recusaram a continuar a guerra colonial e abriram caminho a uma nova ordem constitucional. Hoje, esse legado enfrenta uma ofensiva subtil mas persistente: a tentativa, por parte da extrema-direita, de reescrever a história.

A disputa pelo significado
O partido Chega e outras vozes do espectro radical têm investido num discurso que relativiza ou distorce o papel da Revolução dos Cravos. Declarações públicas de dirigentes sugerem que “o país perdeu tanto como ganhou” em Abril de 1974, insinuando que o período pós-revolucionário trouxe caos e decadência. Esta retórica, ainda que minoritária no Parlamento, ecoa nas redes sociais e em determinados espaços mediáticos, onde se multiplicam leituras revisionistas.
Ao associar a transição democrática a um suposto declínio nacional, estas narrativas procuram minar a legitimidade dos valores de Abril: liberdade de expressão, direitos sociais, participação política. É uma operação simbólica que visa deslocar o centro de gravidade do debate para um terreno mais autoritário.

As Forças Armadas e a defesa da memória
A reação militar não tem sido silenciosa. Veteranos de Abril e oficiais no ativo lembram que o movimento de 1974 não foi um golpe partidário, mas uma ação coletiva contra um regime totalitário. A doutrina militar portuguesa continua a destacar a lealdade à Constituição e a defesa do Estado de direito como princípios basilares, incompatíveis com agendas que promovem exclusão e discriminação.
Em cerimónias oficiais, chefes militares têm reforçado que o 25 de Abril não pertence a um partido ou corrente ideológica, mas à nação. Este posicionamento contrasta com o silêncio ou a ambiguidade de certos atores políticos que evitam condenar abertamente o revisionismo.

A estratégia revisionista
O ataque à memória de Abril insere-se numa estratégia mais ampla da extrema-direita: deslegitimar símbolos democráticos para enfraquecer os consensos que sustentam o regime. Assim como questiona a utilidade do Parlamento ou a independência do poder judicial, procura também relativizar conquistas históricas que limitam a sua margem de ação.
O revisionismo histórico é um instrumento político eficaz porque atua no campo das emoções e da identidade. Ao reinterpretar o passado, molda perceções sobre o presente e o futuro. Não é por acaso que, em eventos comemorativos, se multiplicam incidentes — desde discursos provocatórios a boicotes simbólicos — destinados a gerar polêmica e ocupar espaço mediático.

Memória como resistência
A batalha pela memória de Abril não é meramente académica: é uma frente ativa na defesa da democracia. Historiadores, professores e movimentos cívicos têm redobrado esforços para preservar a integridade do relato histórico. Arquivos militares, jornais e testemunhos de protagonistas continuam a ser fontes incontornáveis para desmontar narrativas distorcidas.
Num país onde a última ditadura terminou há apenas 51 anos, a tentação de esquecer é perigosa. E quando o esquecimento é incentivado por forças políticas que ambicionam concentrar poder, torna-se imperativo que a memória seja mantida viva — não como ritual, mas como compromisso.

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