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Resumo

  • No centro do debate histórico e político sobre a criação do Estado de Israel e o êxodo massivo da população palestiniana em 1948, está um documento.
  • Em A Limpeza Étnica da Palestina, Pappé argumenta que o plano previa não apenas a defesa de áreas designadas ao Estado judeu, mas a conquista deliberada de território palestiniano para além dos limites definidos pela Resolução 181 da ONU.
  • O documento em si não menciona explicitamente a “transferência”, mas a forma como foi executado no terreno — com cercos, demolições e intimidção psicológica — sustenta a tese de que a homogeneização étnica era um objectivo tácito.

No centro do debate histórico e político sobre a criação do Estado de Israel e o êxodo massivo da população palestiniana em 1948, está um documento: o Plano Dalet (Tochnit Dalet, em hebraico). Finalizado a 10 de Março de 1948 pelas forças do Yishuv — a comunidade judaica na Palestina —, o plano tem sido analisado, disputado e reinterpretado por académicos, activistas e políticos. Para alguns, trata-se de uma estratégia militar legítima num contexto de guerra iminente. Para outros, é a pedra angular de uma campanha sistemática de limpeza étnica.

O conteúdo do Plano Dalet

De acordo com o historiador Ilan Pappé, o Plano Dalet foi “o plano mestre para a expulsão dos palestinianos”. Em A Limpeza Étnica da Palestina, Pappé argumenta que o plano previa não apenas a defesa de áreas designadas ao Estado judeu, mas a conquista deliberada de território palestiniano para além dos limites definidos pela Resolução 181 da ONU. As instruções incluíam:

  • Cerco a vilas árabes;
  • Bombardeamento com morteiros;
  • Incêndio de casas e destruição de bens;
  • Expulsão dos residentes;
  • Minagem dos escombros para impedir o retorno.

Estas tácticas foram usadas em larga escala em mais de 30 operações militares entre Abril e Julho de 1948. Em seis meses, mais de 750 mil palestinianos foram deslocados, 531 vilas foram destruídas e 11 bairros urbanos esvaziados.

Contexto militar ou doutrina de transferência?

Os defensores do Plano Dalet como mero plano defensivo, como o historiador Yoav Gelber, insistem que a expulsão da população árabe estava prevista apenas em caso de resistência. Benny Morris, outro dos chamados Novos Historiadores, reconhece que ocorreram expulsões forçadas e massacres, mas recusa a existência de uma intenção centralizada de limpeza étnica. Já Pappé insiste que, quando lido à luz dos debates internos do Haganah e das reuniões de David Ben-Gurion, o Plano Dalet revela uma intenção clara de transferência populacional.

O documento em si não menciona explicitamente a “transferência”, mas a forma como foi executado no terreno — com cercos, demolições e intimidção psicológica — sustenta a tese de que a homogeneização étnica era um objectivo tácito.

Evidência material e testemunhos no terreno

Relatórios da ONU e da Cruz Vermelha de 1948, assim como testemunhos de refugiados palestinianos, documentam padrões sistemáticos: vilas destruídas logo após a rendição, populações civis removidas sem combate, campos minados para impedir o retorno. A hebraização dos nomes de localidades árabes completou o processo de apagamento cultural.

A controvérsia na historiografia israelita

A publicação do Plano Dalet e de arquivos relacionados só foi possível após as reformas arquivísticas dos anos 1980 e 1990. Foi então que surgiram os chamados Novos Historiadores — entre eles Ilan Pappé, Benny Morris e Avi Shlaim — que desafiaram a narrativa sionista tradicional. Para Pappé, a limpeza étnica foi um crime; para Morris, foi talvez “inevitável” ou até “necessária” para garantir a sobrevivência do novo Estado.

Esta divergência reflete um dilema maior: o que fazer com a verdade uma vez descoberta? Denunciá-la, como faz Pappé, ou relativizá-la, como faz Morris, para a tornar tolerável ao sistema dominante?

Consequências duradouras

O impacto do Plano Dalet estende-se para além de 1948. Ele definiu a geografia política actual da Palestina e de Israel. Vilas desaparecidas, populações dispersas, leis de propriedade que impedem o regresso e um sistema de ocupação prolongada que muitos juristas classificam como apartheid.

As alegações de limpeza étnica, embora rejeitadas oficialmente por Israel, são sustentadas por normas do direito internacional humanitário, como as Convenções de Genebra. A ausência de responsabilização e o bloqueio ao direito de retorno consolidam um regime de excepção permanente.

Conclusão

O Plano Dalet é mais do que um plano militar; é um texto fundador da realidade geopolítica do Médio Oriente. A sua ambiguidade redacional permite múltiplas leituras, mas os factos da sua aplicação revelam um padrão difícil de ignorar. Em última instância, a questão é simples e devastadora: foi o Plano Dalet um plano de defesa ou um manual de expulsão? A resposta continua a definir não apenas o passado, mas o presente e o direito a um futuro para os palestinianos.

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