Resumo
- A isto soma-se a despesa pública associada a habitação de emergência, apoio a sem-abrigo, arrendamento subsidiado e listas de espera para habitação social.
- A perda de população jovem, o envelhecimento desproporcional e o encerramento de comércio local são outros impactos recorrentes.
- Segundo os cálculos do relatório, a reabilitação leve de um imóvel urbano devoluto custa, em média, entre 600 e 900 euros/m² — bastante abaixo do custo de construção nova (entre 1.
Faz-se muito alarido sobre os custos da reabilitação, mas pouco se fala sobre os custos de não fazer nada. A ociosidade habitacional custa milhões por ano ao erário público, às autarquias e à sociedade. E paga-se em silêncio, degradação e desigualdade.
Deixar um prédio fechado parece, à primeira vista, um problema do proprietário. Mas a verdade é que, em larga escala, a ociosidade habitacional representa uma factura pesada para o país — uma factura que todos pagamos. São receitas fiscais perdidas, serviços públicos ineficientes, bairros em degradação e vidas adiadas. O relatório “Casas Devolutas e Crise Habitacional” propõe uma estimativa inédita: só em 2023, a manutenção da situação actual custou ao país mais de 1,2 mil milhões de euros.
Custos directos: menos receita, mais despesa
O primeiro impacto é fiscal. Um imóvel devoluto, sobretudo quando não está correctamente sinalizado, paga menos IMI do que o correspondente reabilitado. Segundo os dados do relatório, entre 60% a 75% dos imóveis devolutos não são alvo de majoração fiscal, por ausência de identificação formal. Isso representa, só em Lisboa e no Porto, uma perda estimada de 40 milhões de euros por ano.
A isto soma-se a despesa pública associada a habitação de emergência, apoio a sem-abrigo, arrendamento subsidiado e listas de espera para habitação social. A ausência de oferta habitacional acessível pressiona os municípios a arrendar no mercado privado a preços inflacionados. “É o paradoxo português: o Estado subsidia rendas altas porque não consegue mobilizar o seu próprio edificado”, lê-se no relatório.
Em 2023, os apoios directos ao arrendamento ultrapassaram os 210 milhões de euros. Muitos dos beneficiários vivem em concelhos com largas centenas de imóveis devolutos, públicos e privados, sem qualquer ocupação funcional.
Custos indirectos: perda de coesão, degradação urbana
Mas os custos não se esgotam nos números do Orçamento. Bairros com alta concentração de imóveis devolutos registam maiores índices de insegurança, vandalismo, pragas e desvalorização do edificado. O relatório cita estudos que demonstram que uma rua com 20% de prédios devolutos perde até 12% do seu valor imobiliário global em cinco anos. E os custos com manutenção urbana — limpeza, iluminação, fiscalização — disparam.
A perda de população jovem, o envelhecimento desproporcional e o encerramento de comércio local são outros impactos recorrentes. “O abandono de prédios arrasta consigo a desertificação dos bairros. E isso tem custos para todos: menos receitas fiscais, mais despesas sociais, mais desigualdade territorial”, afirma o urbanista Miguel Barradas.
Além disso, o esvaziamento de escolas, creches e centros de saúde em zonas com habitação devoluta gera distorções no planeamento dos serviços públicos. Uma escola encerra porque não há alunos, mas há dezenas de famílias a viver em sobrelotação noutros bairros. Um círculo vicioso difícil de inverter.
Custos invisíveis: impacto social e psicológico
Viver em frente a um prédio murado, degradado, escuro, tem efeitos reais no bem-estar urbano. Estudos internacionais demonstram que a perceção de abandono urbano está associada a níveis mais altos de ansiedade, isolamento e desconfiança nas instituições.
Para quem está em lista de espera por uma casa, o impacto é ainda mais brutal. “Saber que há prédios vazios no meu bairro enquanto durmo num sofá emprestado é uma dor difícil de explicar”, desabafa André, 28 anos, técnico de logística, inscrito há quatro anos na lista de habitação social em Loures.
O relatório propõe que o conceito de custo da inércia habitacional passe a integrar a avaliação das políticas públicas, incluindo indicadores como:
– Tempo médio de devolução por zona;
– Perda de receita fiscal associada;
– Custo público por família sem solução habitacional permanente;
– Degradação média do espaço público por devoluto.
Há alternativa? Sim, se houver vontade
A mobilização de casas devolutas pode ser mais barata do que se pensa. Segundo os cálculos do relatório, a reabilitação leve de um imóvel urbano devoluto custa, em média, entre 600 e 900 euros/m² — bastante abaixo do custo de construção nova (entre 1.200 e 1.700 euros/m²).
Um programa nacional de reocupação com base em parceria público-comunitária, com financiamento europeu e gestão local, permitiria devolver ao uso habitacional cerca de 100 mil imóveis nos próximos cinco anos — com um custo global estimado de 4,5 mil milhões de euros. “Muito? Sim. Mas bastante menos do que custa continuar a não fazer nada”, conclui o estudo.
O silêncio sai caro. Cada prédio vazio é uma oportunidade desperdiçada, um custo escondido, uma escolha política. A crise habitacional não é apenas uma emergência social — é também uma urgência económica. Continuar a adiar a reocupação de casas devolutas é condenar o país a pagar, ano após ano, o preço da inércia.