Resumo
- Como sintetiza de forma incisiva o relatório “Crítica a Israel e a Acusação de Antissemitismo”, “Israel ataca como Estado e defende-se como religião”.
- O controlo rabino do casamento, conversão e cidadania reforça a confusão entre Estado e religião.
- A utilização de símbolos religiosos — como a Menorá ou a Estrela de David — nas instituições estatais e no exército.
Quando criticado, Israel invoca a sua condição de Estado soberano. Quando responsabilizado, refugia-se na identidade judaica. Esta oscilação estratégica — entre razão de Estado e símbolo religioso — é uma das ferramentas mais sofisticadas do sionismo contemporâneo para evitar escrutínio.
Como sintetiza de forma incisiva o relatório “Crítica a Israel e a Acusação de Antissemitismo”, “Israel ataca como Estado e defende-se como religião”. Esta frase, repetida em círculos académicos e activistas, é mais do que uma metáfora: é uma chave analítica para compreender como o Estado israelita se protege do debate público ao mobilizar a sacralidade da identidade judaica.
Duas máscaras, um objectivo: impunidade
Israel age e fala como um Estado moderno: possui governo, exército, embaixadas, fronteiras, leis. Quando bombardeia Gaza, fá-lo com drones e mísseis do seu ministério da defesa. Quando detém crianças palestinianas, fá-lo com leis militares. Mas quando a comunidade internacional tenta responsabilizá-lo, a máscara muda. Israel passa a falar como povo oprimido, como herdeiro do Holocausto, como guardião da fé judaica. Os crimes tornam-se “autodefesa”. As sanções tornam-se “perseguição”. O julgamento torna-se “ódio ancestral”.
Esta confusão deliberada — entre soberania estatal e identidade religiosa — mina o debate político e moral. Permite a Israel agir como potência colonial e depois se defender como minoria perseguida.
O sionismo como fusão tóxica entre Estado e religião
O sionismo político, desde as suas origens com Theodor Herzl, visava fundar um Estado judeu. Mas esse projecto sempre implicou uma contradição: transformar uma identidade religiosa, plural e diaspórica, numa nacionalidade territorial, exclusiva e etnicamente codificada. O resultado é o que temos hoje:
- A Lei do Estado-Nção Judeu (2018) define Israel como “lar exclusivo do povo judeu”, excluindo na prática os palestinianos e outras minorias.
- O controlo rabino do casamento, conversão e cidadania reforça a confusão entre Estado e religião.
- A utilização de símbolos religiosos — como a Menorá ou a Estrela de David — nas instituições estatais e no exército.
Este modelo confunde propositadamente a crítica ao Estado com ataque à religião — e essa fusão é uma construção política, não um dado espiritual.
“Em nome dos judeus”: a colonização simbólica do Holocausto
Israel construiu o seu capital moral com base na memória do Holocausto. Mas essa memória tem sido instrumentalizada para justificar crimes contra os palestinianos. A pedagogia do “Nunca Mais” foi transformada num privilégio político: “Nunca mais… para nós”. Críticos de Israel são acusados de “desonrar a memória das vítimas da Shoah”. Quando palestinianos comparam a sua expulsão à lógica étnica da Europa nazi, são silenciados por “relativizar o genocídio”.
A memória do Holocausto não pode ser escudo de impunidade. O dever da memória é universal: a dor não autoriza o esquecimento da dor dos outros.
A religião como arma diplomática
Israel exporta este discurso como arma diplomática. Em fóruns internacionais, apresenta-se como o “único refúgio seguro para judeus”. Qualquer resolução contra os colonatos ou ataques à Faixa de Gaza é denunciada como “ataque ao judaísmo”. Desta forma, reduz toda oposição política à condição de ódio religioso e impede o debate racional.
As vítimas da manipulação
Quem paga o preço por esta estratégia? Os próprios judeus, que são usados como escudo. A sua fé, cultura e história são sequestradas por um Estado que os transforma em justificação de crimes. Os palestinianos, que não podem denunciar a ocupação sem serem acusados de racismo. A liberdade de expressão: activistas, académicos e jornalistas são silenciados em nome de uma ofensa que não cometeram. E o combate ao verdadeiro antissemitismo, que é banalizado e politizado.
Como desmontar o escudo
A crítica a Israel não é antissemitismo. A identidade judaica não é propriedade do Estado israelita. O sionismo não é sinónimo de fé. É preciso:
- Reafirmar a separação entre religião e Estado.
- Recusar a fusão simbólica entre judaísmo e política israelita.
- Escutar as vozes judaicas dissidentes, que defendem os direitos dos palestinianos.
- Desmascarar o uso da fé como cobertura para crimes de guerra.
Conclusão: o escudo que já não protege
A retórica de Israel já não convence como antes. A dissidência judaica global, os protestos de académicos e a evidência do massacre em Gaza tornam cada vez mais difícil esconder a realidade com símbolos. Israel quer ser Estado quando ataca — e religião quando é atacado. Mas não pode ter as duas coisas. Se quer agir como Estado, deve ser julgado como tal. Se quer usar a fé, deve honrá-la — e não instrumentalizá-la. A justiça não se curva perante símbolos, e a verdade não teme a crítica.