Partilha

Resumo

  • O que a UNRWA e a OCHA fazem — e por que isso importaA UNRWA é agência da ONU criada em 1949 para prestar assistência e proteção a refugiados palestinianos, com um mandato humanitário e de desenvolvimento centrado em educação, saúde primária, abrigo, assistência social e emergência.
  • O Tribunal Internacional de Justiça já ordenou, a 24 de maio de 2024, medidas para garantir assistência humanitária e proteger civis — reforçando ordens de janeiro e março.
  • Relatórios de setembro de 2025 registam centenas de mortos e milhares de feridos entre pessoas abrigadas em estruturas da agência desde 2023, além da destruição em escolas e centros de saúde.

Entre acusações e bombardeamentos, quem ainda garante comida, água e aulas às crianças?

Quem? Trabalhadores humanitários de dezenas de organizações. Onde? Na Faixa de Gaza, em escolas, abrigos e corredores de abastecimento. Quando? Desde outubro de 2023, com agravamento em 2024 e 2025. O quê? A ajuda humanitária em Gaza sob fogo, escrutínio político e escassez crónica. Porquê? Por uma combinação letal: bombardeamentos, restrições de acesso, desinformação e cortes de financiamento. Como? Com equipas no terreno a improvisar rotas, abrir cozinhas de campanha, montar clínicas móveis e ensinar em salas sem vidros — apesar de tudo.

O que a UNRWA e a OCHA fazem — e por que isso importa
A UNRWA é agência da ONU criada em 1949 para prestar assistência e proteção a refugiados palestinianos, com um mandato humanitário e de desenvolvimento centrado em educação, saúde primária, abrigo, assistência social e emergência. Não faz política externa nem negocia paz; mantém serviços essenciais enquanto não surge uma solução justa e duradoura. Em Gaza, isso traduz-se em escolas, centros de saúde, abrigos e distribuição de alimentos. É missão humanitária, não partidária.
A OCHA coordena a resposta de todo o sistema humanitário, cruza informação de necessidades, agenda comboios, defende acesso seguro e monitoriza bloqueios ou incidentes. Nas últimas semanas, relatou impedimentos e atrasos recorrentes em missões, com convoys parcialmente concluídos devido a inspeções, incidentes de segurança e ordens de deslocação massiva que baralham a logística. É burocracia? É sobrevivência em modo minimalista.

Fome à porta: a escalada silenciosa
A situação alimentar degrada-se. As análises IPC confirmaram em agosto de 2025 Fome (Fase 5) no Governorado de Gaza, com evidência razoável, e projeções de desnutrição aguda a duplicar entre crianças menores de cinco anos ao longo de 2025‑2026. A fome não é um argumento; é uma medição técnica que obriga a abrir corredores, remover entraves e proteger comboios. Cada dia perdido custa vidas.
O Tribunal Internacional de Justiça já ordenou, a 24 de maio de 2024, medidas para garantir assistência humanitária e proteger civis — reforçando ordens de janeiro e março. Não decidiu o mérito do genocídio, mas considerou o risco plausível, exigindo ações imediatas. Do direito à prática, porém, medeia um labirinto de checkpoints, ataques e decisões políticas.

Vozes no terreno: “A fila para pão é um alvo em movimento”
“Na última semana, dormimos no armazém. A janela estilhaçou duas vezes. Voltámos a carregar os camiões ao nascer do dia”, relata “Marta S.”, gestora logística portuguesa numa ONG médica, pedindo anonimato por razões de segurança. “A ajuda humanitária em Gaza não é abstrata. São sacos de farinha, água potável e antibóticos que têm de passar por corredores que mudam todos os dias. A fila para pão é um alvo em movimento.”
Num abrigo escolar da UNRWA, um professor improvisa aulas com folhas soltas. “Metade da turma perdeu a casa. Toda a turma perdeu alguém”, diz “A.”, 14 anos. “Quero voltar ao caderno de matemática. O barulho não ajuda.”
Estes testemunhos confirmam o que os relatórios despersonalizam: por detrás de cada “convoy parcialmente concluído” há refeições que não chegaram, vacinas que não foram dadas e noites sem abrigo.

Golpes que cortam mais do que rotas
O ataque que matou sete membros da World Central Kitchen em abril de 2024 tornou-se um símbolo do risco extremo de quem distribui alimentos em Gaza. A organização suspendeu operações temporariamente; a comunidade internacional reagiu com indignação. A morte de equipas humanitárias não é “dano colateral”: é colapso de uma linha de vida.
A própria UNRWA tem sofrido perdas devastadoras e ataques a instalações. Relatórios de setembro de 2025 registam centenas de mortos e milhares de feridos entre pessoas abrigadas em estruturas da agência desde 2023, além da destruição em escolas e centros de saúde. Cada abrigo atingido é uma teia que rebenta: cozinhas, latrinas, salas de aula, postos médicos.

O corte do dinheiro — e o preço para quem tem fome
As acusações de alegadas ligações de alguns funcionários ao terrorismo provocaram suspensões de financiamento à UNRWA por vários doadores em 2024. Parte desses fundos foi reativada ao longo do ano; outros permaneceram congelados por 2025, deixando a agência a operar “à pele”. Mais do que uma disputa política, é uma aritmética brutal: menos verbas = menos alimentos, menos clínicas, menos professores.
O relatório-base desta série recorda a distinção essencial: ajuda humanitária em Gaza é neutral, imparcial e independente; não é apologia de qualquer fação. Confundir apoio a civis com apoio ao terrorismo desvirtua o Direito Internacional Humanitário e agrava a crise. A UNRWA e a OCHA existem para manter pessoas vivas e reduzir sofrimento num teatro de guerra. Ponto.

A engrenagem humanitária: como funciona (quando funciona)
Convoys levantam carga em Kerem Shalom e Erez West (Zikim), sob coordenação OCHA e clusters especializados. O processo inclui listas de bens, inspeções, janelas de segurança, rotas definidas, cobertura de ambulâncias e equipas de reparação de estradas. Na prática, missões impedidas ou parcialmente concluídas são a norma — por incidentes, insegurança e mudanças súbitas de ordens militares. Quando tudo encaixa, entra comida. Quando falha, entra a fome.
E a escola? A UNRWA mantém um dos maiores sistemas educativos do Médio Oriente. Em Gaza, escolas viraram abrigos; abrigos viraram cozinhas; cozinhas viraram triagem. Ensinar tornou-se ato de resistência cívica. Quando um doador corta, fecha-se uma sala e cresce uma fila no posto médico.

O que exige o direito — e o que pode fazer a política
O princípio da distinção protege civis e infraestruturas civis; proporcionalidade e precaução limitam métodos e meios de guerra; punição coletiva é proibida. O dever de prevenir crimes ao abrigo da Convenção do Genocídio ativa-se quando há risco sério. Não são tecnicidades: são travões para que a ajuda humanitária em Gaza circule e as crianças cheguem vivas ao próximo inverno.

Que fazer já?
— Desbloquear acesso com janelas previsíveis, vistos para equipas e garantias de proteção a comboios e abrigos.
— Financiar plenamente a UNRWA e a OCHA, com auditorias robustas sem paralisar operações.
— Barris de combustível e reparação de vias como prioridade logística, não como favor excepcional.
— Respeitar as ordens do TIJ e os padrões IPC como gatilhos operacionais — abrir quando a fome sobe, proteger quando o risco cresce.

Epílogo no presente: nomes, não números
“Hoje consegui reabrir a torneira do ponto de água. Saiu ar, depois lama, depois um fio. As crianças gritaram”, conta “Marta S.”. A ajuda humanitária em Gaza é isto: uma torneira que volta a pingar, um forno que coze pão, uma vacina que encontra o braço certo. Pode parecer pouco. É vida. E vida, aqui, é tudo. ✫

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

You May Also Like

Mortos Fora do Ar: Como Israel Identifica e Elimina Jornalistas em Gaza

Partilha
Partilha Resumo Desde o início da ofensiva israelita, surgem provas crescentes de…

Explosão hospital Gaza: quem atacou o Al‑Ahli?

Partilha
Partilha Resumo A Associated Press, a CNN e o Washington Post analisaram…