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Resumo

  • Com uma localização privilegiada, bons acessos e vistas sobre o Tejo, o Barreiro tornou-se, desde 2020, alvo de crescente interesse por parte de investidores imobiliários e plataformas de arrendamento turístico.
  • Em Lisboa, seria o triplo”, conta Carla Mendes, que se mudou de Arroios para o Barreiro com o companheiro e uma filha de 3 anos.
  • Alguns promotores locais também alertam para o risco de “excessiva rigidez” e para a possibilidade de os investidores simplesmente mudarem de município, o que poderia empurrar a pressão para zonas vizinhas como Moita ou Seixal.

Um município da margem sul decidiu travar o crescimento descontrolado do AL. Os resultados são surpreendentes — e lançam pistas para outras cidades.

Durante anos, o debate em torno do Alojamento Local (AL) esteve centrado nas grandes cidades: Lisboa, Porto, Faro. Mas nos bastidores, autarquias de média dimensão começaram a agir antes que fosse tarde demais. Uma delas é o Barreiro.

Com uma localização privilegiada, bons acessos e vistas sobre o Tejo, o Barreiro tornou-se, desde 2020, alvo de crescente interesse por parte de investidores imobiliários e plataformas de arrendamento turístico. Os preços subiram rapidamente — e os moradores começaram a sentir o impacto: rendas a duplicar, vizinhos a desaparecer, escolas e cafés de bairro a perder clientela.

Em resposta, a Câmara Municipal decidiu proibir novos registos de Alojamento Local em zonas residenciais consolidadas. Uma decisão ousada, aprovada em 2023 e em vigor desde janeiro de 2024.


A primeira contenção fora dos grandes centros

Inspirado pelas zonas de contenção criadas em Lisboa, o Barreiro tornou-se o primeiro município fora das grandes áreas metropolitanas a adoptar uma proibição directa de novos ALs em zonas específicas.

A medida abrange:

  • O centro histórico do Barreiro Velho;
  • Algumas artérias da freguesia de Alto do Seixalinho;
  • Bairros onde o rácio de AL ultrapassava os 10% das habitações existentes.

A decisão foi sustentada por dados recolhidos pela autarquia, em parceria com universidades, que detetaram correlação entre a concentração de ALs e o aumento súbito do preço por metro quadrado.

“O objectivo foi claro: antecipar uma bolha antes de ela explodir”, afirma Rui Lopo, vereador da Habitação. “Não queremos repetir os erros de Lisboa ou do Porto, onde só se reagiu quando o tecido social já estava dilacerado.”


O impacto: preços estabilizados e regresso de moradores

Passado pouco mais de um ano, os primeiros dados mostram efeitos visíveis — e positivos.

  • O preço médio de arrendamento estabilizou: +2% entre 2023 e 2025, face aos +9% nos anos anteriores;
  • O número de casas arrendadas para residência permanente cresceu 18%;
  • Foram retomadas mais de 300 matrículas escolares em zonas antes em perda populacional;
  • Pequenos negócios de bairro registaram aumento de clientela.

“Conseguimos arrendar um T2 por 750 euros, a cinco minutos da estação fluvial. Em Lisboa, seria o triplo”, conta Carla Mendes, que se mudou de Arroios para o Barreiro com o companheiro e uma filha de 3 anos.

A proibição teve também um efeito psicológico: reduziu a especulação e devolveu confiança aos residentes, sobretudo os mais jovens.


Os críticos: “perigoso sinal para os investidores”

A decisão, contudo, não foi unânime. A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) considera a medida “desproporcionada” e “perigosa para o investimento”.

“Estamos a penalizar um sector que dinamiza o turismo e a economia local”, defende Jorge Pina, representante da ALEP. “Havia alternativas mais equilibradas: quotas, licenciamento condicionado, fiscalização apertada.”

Alguns promotores locais também alertam para o risco de “excessiva rigidez” e para a possibilidade de os investidores simplesmente mudarem de município, o que poderia empurrar a pressão para zonas vizinhas como Moita ou Seixal.


O que dizem os moradores?

Nas ruas do Barreiro Velho, o tom é outro. “Antes era só malinhas de rodinhas e festas. Agora voltou a haver vizinhos que se cumprimentam, crianças que jogam à bola, cafés com freguesia fixa”, diz Domingos Ferreira, 62 anos, morador há quatro décadas.

Para muitos, a cidade voltou a parecer… cidade. Com vida quotidiana, rotinas, permanência. Algo que o turismo intenso, mesmo em pequenas doses, tinha começado a corroer.


Uma lição para o resto do país?

O caso do Barreiro está agora a ser analisado por outros municípios de dimensão média: Setúbal, Figueira da Foz, Guimarães, Viana do Castelo. Todos enfrentam uma crescente pressão do AL, em paralelo com a escassez de habitação acessível.

“A chave está na gestão do território, não na sua exploração desenfreada”, afirma Luísa Lopes, geógrafa urbana da Universidade Nova. “O AL pode existir — mas com regras claras, limites definidos e prioridade à função social da habitação.”


Proibir… ou equilibrar?

A decisão de proibir novos ALs não é simples, nem deve ser universal. Mas o exemplo do Barreiro mostra que agir cedo, com dados e com coragem, pode evitar danos irreversíveis.

Enquanto em Lisboa se discute como conter um incêndio já em curso, o Barreiro optou por não acender o fósforo.E isso, em tempos de crise habitacional, é mais do que prudência — é visão estratégica.

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