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Resumo

  • Modelo de autogoverno sob supervisão regional – Algumas vozes sugerem um modelo híbrido, em que conselhos locais e líderes comunitários administrem o território com apoio técnico e financeiro da Liga Árabe ou da ONU.
  • A guerra relançou o debate sobre a solução dos dois Estados — Israel e Palestina a viverem lado a lado, com fronteiras definidas e reconhecimento mútuo.
  • Na prática, a União Europeia tem capacidade técnica e recursos para apoiar uma transição civil, mas divide-se politicamente entre o alinhamento com Israel e a exigência de justiça para os palestinianos.

Após quase dois anos de ofensiva militar israelita, milhares de mortos e bairros transformados em escombros, a Faixa de Gaza está num ponto de viragem sem precedentes. A catástrofe humanitária é visível, mas o vazio político é talvez ainda mais perigoso. A pergunta impõe-se: que futuro é possível para Gaza?

Num momento em que os bombardeamentos continuam e a ajuda humanitária é intermitente, diplomatas, analistas e organismos internacionais desenham cenários para o “dia seguinte” — mesmo que esse dia pareça ainda distante.

Gaza sem Hamas, mas sob quê?

Desde o início da ofensiva, Israel afirmou que um dos objetivos estratégicos era “eliminar o Hamas” e “desmilitarizar Gaza”. Mas a eliminação de um grupo não resolve a questão central: o destino político de um território onde vivem mais de 2,2 milhões de pessoas.

E é aqui que começam as divergências:

  1. Ocupacão israelita prolongada – Embora oficialmente negada por Telavive, vários analistas admitem que Israel mantém controlo efetivo sobre o espaço aéreo, marítimo, fronteiras e circulação interna, o que pode configurar uma nova fase de ocupação direta. Seria uma solução insustentável, do ponto de vista legal e logístico, e profundamente instável.
  2. Tutela internacional temporária – A ONU, em articulação com países árabes moderados (Egito, Jordânia, Qatar), poderia assumir uma administração civil provisória, com mandato limitado para restaurar serviços básicos, organizar eleições e reabilitar estruturas de governação. Este modelo, usado no Kosovo e Timor-Leste, enfrenta resistências por parte de Israel e dos EUA.
  3. Retorno da Autoridade Palestiniana (AP) – A proposta mais discutida em Bruxelas e Washington passa pelo regresso da AP a Gaza. Mas esse cenário esbarra na falta de legitimidade popular da AP, acusada de corrupção, autoritarismo e distanciamento da realidade gazense.
  4. Modelo de autogoverno sob supervisão regional – Algumas vozes sugerem um modelo híbrido, em que conselhos locais e líderes comunitários administrem o território com apoio técnico e financeiro da Liga Árabe ou da ONU. Seria uma forma de reconstruir a partir da base, mas exige coordenação e segurança.

Dois Estados? Ou nenhum?

A guerra relançou o debate sobre a solução dos dois Estados — Israel e Palestina a viverem lado a lado, com fronteiras definidas e reconhecimento mútuo. Mas a realidade atual parece mais distante do que nunca desse horizonte.

Israel expandiu colonatos ilegais na Cisjordânia, a liderança palestiniana está dividida, e Gaza transformou-se num território devastado. Ainda assim, a maioria da comunidade internacional continua a apoiar publicamente essa solução, por ausência de alternativa viável.

“Qualquer futuro para Gaza só será sustentável se fizer parte de uma solução política mais ampla para toda a Palestina ocupada,” defende Rashid Khalidi, professor de História do Médio Oriente em Columbia.

O risco do vácuo: quando nada substitui o caos

A ausência de um plano claro para o futuro de Gaza aumenta o risco de colapso permanente: anarquia local, milícias, tráfico de armas, radicalização de jovens sem esperança.

Esse vácuo político é o cenário ideal para que a violência se reproduza, disfarçada de resposta. É também o pior pesadelo para os vizinhos regionais, como o Egito e a Jordânia, que temem o transbordo do conflito.

E Portugal? E a Europa?

Portugal tem defendido, no seio da UE, a necessidade de cessar-fogo imediato, responsabilização internacional e relançamento do processo de paz. Mas falta uma posição clara sobre a futura governação de Gaza.

Na prática, a União Europeia tem capacidade técnica e recursos para apoiar uma transição civil, mas divide-se politicamente entre o alinhamento com Israel e a exigência de justiça para os palestinianos.

Gaza precisa de mais do que reconstrução

Pensar o futuro de Gaza não é apenas decidir quem manda — é imaginar como se pode viver com dignidade, segurança e autonomia. É reconstruir não apenas prédios, mas confiança, instituições, comunidade e pertença.

Num território onde mais de metade da população tem menos de 18 anos, qualquer plano que ignore essa geração está condenado ao fracasso.

Porque o que está em jogo não é só a geopolítica. É o direito de um povo a existir, a recuperar a sua voz, e a projetar um futuro onde o trauma não seja a única herança.

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