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Resumo

  • Os julgamentos populares sobre a América Latina, o apartheid na África do Sul e o genocídio no Timor-Leste.
  • Tudo filmado, arquivado e transformado em relatório a ser entregue ao Parlamento britânico, à ONU e a organizações internacionais.
  • Se se tornar modelo replicável, poderá abrir caminho a uma rede global de tribunais populares transnacionais, capazes de transformar a indignação em acção política e, um dia, em jurisprudência.


Em Londres, dezenas de vozes ergueram-se para acusar. Juristas, médicos, activistas e sobreviventes reuniram-se no Gaza Tribunal, um julgamento simbólico destinado a examinar a cumplicidade britânica no genocídio palestiniano. Sem polícia, sem tribunais oficiais, sem sentenças formais — apenas a força moral de um julgamento do povo.
A sessão recordou outros momentos históricos: o Tribunal Russell, em 1967, que denunciou os crimes dos EUA no Vietname; os julgamentos populares sobre a América Latina, o apartheid na África do Sul e o genocídio no Timor-Leste. “O Gaza Tribunal insere-se nesta tradição. Quando os Estados falham, o povo julga”, afirmou o jurista Michael Mansfield KC, presidente honorário do encontro.

A força do simbólico
Criticado por alguns como “teatro político”, o Gaza Tribunal foi defendido por Jeremy Corbyn como “um acto de resistência cidadã”. “Se o governo não quer investigar, investigamos nós. Se o Parlamento não quer ouvir, ouvimos nós”, declarou o ex-líder trabalhista.
Ao longo de dois dias, o tribunal reuniu testemunhos devastadores: cirurgias sem anestesia, fome planeada, assassinatos de jornalistas, crianças usadas como alvos. Tudo filmado, arquivado e transformado em relatório a ser entregue ao Parlamento britânico, à ONU e a organizações internacionais.
“Não é apenas simbólico. É um registo. Um documento histórico que um dia será prova”, defendeu a activista Hala Shabbah.

Pode o tribunal popular inspirar o mundo?
Especialistas em direito internacional consideram que este tipo de iniciativa pode marcar o início de uma tendência global. “A incapacidade do Tribunal Penal Internacional em agir rapidamente sobre Gaza criou um vazio. Os tribunais do povo preenchem esse vazio com legitimidade moral e memória colectiva”, explicou a académica Neve Gordon.
Há precedentes: os julgamentos populares sobre crimes em Myanmar e na Síria alimentaram relatórios que mais tarde serviram em processos internacionais. “Não são irrelevantes. São sementes que germinam em tribunais futuros”, disse Gordon.

O Reino Unido no banco dos réus
Mais do que acusar Israel, o Gaza Tribunal focou-se no papel do Reino Unido. O país foi responsabilizado por exportar armas, fornecer tecnologia de vigilância e bloquear ajuda humanitária.
“Aqui, não é apenas Telavive que está no banco dos réus. É também Londres”, afirmou Mansfield. A acusação sublinhou que, ao ignorar manifestações massivas pela Palestina e ao recusar investigações parlamentares, o Reino Unido confirma ser uma “democracia de baixa intensidade”.

As recomendações do tribunal
No final, o painel de juristas apresentou medidas concretas:
Suspensão imediata das exportações de armas britânicas para Israel;

Abertura de uma comissão parlamentar independente sobre Gaza;

Garantia de corredores humanitários permanentes sob supervisão internacional;

Criação de uma rede global de tribunais do povo, inspirada no modelo Russell, para investigar contextos onde a justiça institucional falha.

Justiça cidadã em tempos de silêncio oficial
O Gaza Tribunal não pode prender nem condenar. Mas pode registar, denunciar e inspirar. Pode mobilizar cidadãos a exigir justiça onde os governos se refugiam no silêncio.
Se se tornar modelo replicável, poderá abrir caminho a uma rede global de tribunais populares transnacionais, capazes de transformar a indignação em acção política e, um dia, em jurisprudência.
Em Gaza, a justiça tarda. Mas em Londres, ao menos, o povo já começou a julgar.

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