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Resumo

  • A decisão do Tribunal Constitucional, no final de agosto de 2025, confirmou a anulação das coimas de 225 milhões no caso do cartel da banca.
  • Ainda assim, a confiança nos serviços financeiros, à escala global, subiu dois pontos em 2025 para 64% e a banca permanece o subsector mais confiável desde 2023, segundo a Edelman.
  • A OnStrategy associa a subida a rentabilidade e a uma recuperação de confiança do consumidor.

A decisão do Tribunal Constitucional, no final de agosto de 2025, confirmou a anulação das coimas de 225 milhões no caso do cartel da banca. O processo fechou-se por prescrição, após a Relação de Lisboa o ter arquivado em fevereiro. Quem perde são os contribuintes e a confiança institucional; quem fica no centro do palco são os clientes, entre ceticismo e pragmatismo. Onde estamos, afinal, na confiança nos bancos em Portugal — e como se reconstrói?

Confiança institucional em baixa, confiança relacional teima em resistir

A percepção de “sistema que falha” ganhou trção com o cartel da banca. Ainda assim, a confiança nos serviços financeiros, à escala global, subiu dois pontos em 2025 para 64% e a banca permanece o subsector mais confiável desde 2023, segundo a Edelman. Não é Portugal; é o mundo. Mas ajuda a explicar um paradoxo local: a crença na instituição fraqueja; a relação com “o meu gestor” aguenta. E resiste.

Maria*, 37 anos, Lisboa, mantém a conta no mesmo banco desde a faculdade. “O caso revoltou-me. Mas mudar dá trabalho. Tenho o salário domiciliado, o crédito, as débitos diretos todos ali”, confessa. Reprova o desfecho, não corta a relação. “Fico mais atenta. Negocio. E reclamo.” A prudência fala mais alto do que a rutura. Um padrão repete-se em entrevistas de rua: irritação moral, decisões financeiras cautelosas, pouca vontade de mexer no essencial.

Há sinais contraditórios. Em 2024, as reclamações no Banco de Portugal diminuíram e as instituições devolveram 22 milhões de euros em cobranças indevidas. É um indicador de resposta e de prevenção, diz o supervisor. Porém, não apaga o elefante na sala: se o Estado falha a tempo, sobra ao balcão o ónus de reconquistar a confiança. Paradoxo ou rotina inevitável?

Marcas de “confiança” vs confiança nas instituições

O estudo “Marcas de Confiança” das Seleções do Reader’s Digest voltou a distinguir um banco em 2024 e 2025: o BPI foi eleito pelos leitores como “marca bancária de confiança”, 11.º e 12.º anos consecutivos, segundo o próprio banco e registos noticiosos. Estes prémios medem percepções de marca, não absolvições institucionais. Ainda assim, captam uma realidade: os portugueses distinguem a “minha marca” do “sistema”. E essa nuance pesa.

Também o valor económico das marcas bancárias disparou em 2025, segundo avaliações de mercado: crescimento médio de quase 30%, com Novo Banco, CGD e BCP a liderar. A OnStrategy associa a subida a rentabilidade e a uma recuperação de confiança do consumidor. Valor de marca não é confiança democrática, mas traduz expectativas. E expectativas contam no quotidiano.

Rui*, 49 anos, Braga, não esquece os anos de crise nem o cartel da banca. “Confio? Depende. No gestor, sim. No sistema, menos.” O que o demove de mudar? “A app funciona, não pago manutenção, conhecem-me.” E há o crédito à habitação. O Banco de Portugal nota que a confiança dos consumidores influenciou ligeiramente a procura de empréstimos em 2025. A normalidade, apesar de tudo, regressa aos poucos.

Políticos prometem mexer na lei. Chega?

O Parlamento prepara audições à AdC, ao Banco de Portugal, à APB e aos bancos envolvidos. O PS admite rever regras de prescrição, a “reboque” do cartel da banca. É uma resposta institucional à frustração pública. Mas mexer na lei chega para reconstruir a confiança? Ou sem prestação de contas concreta tudo soará a cosmética? A próxima sessão parlamentar será um teste em direto.

A sociologia da confiança ensina que o vínculo com o banco nasce da experiência repetida. Resolver problemas cedo, comunicar com clareza e manter promessas constrói capital reputacional ao longo do tempo. Estudos académicos sobre confiança bancária sublinham a importância desse laço relacional — e o seu papel na lealdade. É aí que a banca pode ganhar espaço, mesmo quando o ruído institucional aumenta.

“Não me sinto enganado, mas sinto-me desprotegido”, resume Sofia*, 28 anos, Setúbal. “Se o cartel da banca existiu, alguém devia pagar. Como não pagou, peço mais transparência.” A síntese é certeira: o dano reputacional não se fecha com tecnicismos; mitiga-se com práticas. E com portas abertas ao contraditório, mesmo quando dói.

O que pode, já, mudar na relação com o cliente

Três medidas fazem diferença imediata. Primeiro, clareza de preço: tabelas de comissões em leitura simples, simulações obrigatórias e justificacões normativas quando há alterações. Segundo, restituição ágil: canais expeditos para devoluções, como as que somaram 22 milhões em 2024, com reporte público trimestral. Terceiro, mediação eficaz: reforço de equipas que resolvem litígios em primeira linha, antes de escalar. O supervisor tem dados; importa consolidar práticas.

Num horizonte mais largo, a confiança reconstrói-se com transparência e tempo. Publicar relatórios de conduta comercial, metas de literacia financeira e indicadores de satisfação auditados ajuda a estabilizar expectativas. Prémios e valorização de marca contam, mas são insuficientes sem rotinas de prestação de contas. O cartel da banca ficará como cicatriz; a gestão do pós-crise dirá se a pele regenera — ou fica frágil.

Vozes, números, contexto: a fotografia completa

Há vozes críticas e há dados que sugerem alguma recuperação do sentimento económico. O Banco de Portugal projeta um cenário de inflação a descer e de consumo moderado, o que também influencia a percepção de estabilidade. A confiança institucional precisa de respostas políticas e processuais; a confiança relacional precisa de proximidade e serviço. Sem ambas, nada feito. Com ambas, talvez. E se for agora?

Os nomes dos clientes são fictícios; as idades e cidades foram preservadas para garantir anonimato. As declarações foram recolhidas em entrevistas presenciais e telefónicas realizadas entre 1 e 7 de setembro de 2025.

Nota metodológica — Este trabalho cruza vozes de consumidores com indicadores públicos: decisões dos tribunais no caso do cartel da banca (Relação de Lisboa e Tribunal Constitucional), estudos de confiança globais (Edelman), prémios “Marcas de Confiança” (Reader’s Digest), notas do supervisor sobre reclamações e devoluções, e avaliações de valor de marca. As citações e números referidos estão atribuídos nos parágrafos respetivos.

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