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Resumo

  • Para um médico ou uma missão humanitária chegar a Gaza, o processo parece menos um protocolo administrativo e mais um labirinto com múltiplos pontos de veto.
  • Desde março de 2025, com as novas regras de registo, o circuito tornou-se ainda mais opaco e imprevisível.
  • Pedido inicial — A ONG submete a lista de profissionais e equipamentos à coordenação humanitária da ONU.

Para um médico ou uma missão humanitária chegar a Gaza, o processo parece menos um protocolo administrativo e mais um labirinto com múltiplos pontos de veto. Desde março de 2025, com as novas regras de registo, o circuito tornou-se ainda mais opaco e imprevisível.

O passo a passo do circuito

  1. Pedido inicial — A ONG submete a lista de profissionais e equipamentos à coordenação humanitária da ONU.
  2. Verificação preliminar — A ONU compila as missões e envia ao COGAT, organismo militar israelita responsável pelas permissões.
  3. Análise israelita — O COGAT pode aprovar, rejeitar ou pedir mais informações. É aqui que muitos pedidos ficam suspensos por semanas.
  4. Chegada ao terreno — Mesmo após aprovação, equipas relatam recusas de última hora, via e-mail, a quatro ou seis horas da partida.
  5. Controlo de equipamentos — Materiais são verificados segundo a lista “dual-use”. Geradores de oxigénio, incubadoras e antibióticos podem ser retidos.

Cada fase é uma oportunidade para travar ou atrasar uma missão. O resultado é uma imprevisibilidade que mina a capacidade de planeamento.

O contraditório das partes

O COGAT afirma que “cada pedido é avaliado de forma individual e em tempo real, para garantir segurança”. Já as ONGs denunciam um “sistema arbitrário e opaco”, onde recusas chegam sem justificação. A ONU reconhece as dificuldades e insiste em maior transparência.

Juristas internacionais sublinham que a multiplicidade de vetos viola o princípio da previsibilidade no acesso humanitário. “O labirinto não é acidente, é método. A complexidade é usada como barreira”, disse a advogada Ana Luísa Ferreira.

O impacto no terreno

Para médicos, este processo significa viver em suspensão. “Podemos viajar milhares de quilómetros, investir semanas de preparação, e ainda assim um simples e-mail anula tudo”, contou um cirurgião voluntário barrado em julho.

Nos hospitais de Gaza, cada negativa equivale a cirurgias adiadas, infeções sem tratamento e crianças sem quimioterapia. “O labirinto não se mede em papéis, mede-se em vidas que ficam à porta”, afirmou um diretor hospitalar.


A pergunta final ecoa: quem decide quem entra? Israel? A ONU? Ou a própria lógica da guerra, que transformou autorizações administrativas em armas tão letais quanto as bombas?

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