Resumo
- Desde Outubro de 2023, 697 ataques a instalações de saúde foram confirmados — média de mais de um por dia.
- “Somos forçados a operar sem anestesia, a ver crianças morrer no chão porque faltam tubos e ventiladores”, denuncia a médica Amber Alayyan, de Médicos Sem Fronteiras.
- A comunidade médica perdeu voz, paciente perdeu defensor… e o filho do médico perdeu o pai.
Gaza conta apenas 19 dos 36 hospitais ainda operacionais — muitos limitam-se a primeiros socorros. Pelo menos 94 % das unidades estão danificadas ou destruídas; restam 2 000 camas para mais de dois milhões de residentes. A Organização Mundial de Saúde avisa: “o sistema quebrou, cada novo ataque apaga semanas de reparações”.
Estruturas em ruína
Al-Shifa, outrora coração médico da faixa, é agora esqueleto carbonizado. No norte, nenhum hospital funciona em pleno; evacuações sucessivas deixaram alas vazias, equipamento saqueado ou reduzido a metal retorcido. Desde Outubro de 2023, 697 ataques a instalações de saúde foram confirmados — média de mais de um por dia. Que mensagem passa quando a ambulância se torna alvo?
Cirurgias às cegas
Dentro de tendas improvisadas junto ao Nasser Medical Complex, cirurgiões enfrentam cenas impensáveis: amputar sem analgesia, suturar sob a luz de telemóveis, esterilizar com água engarrafada. “Somos forçados a operar sem anestesia, a ver crianças morrer no chão porque faltam tubos e ventiladores”, denuncia a médica Amber Alayyan, de Médicos Sem Fronteiras.
Uma pergunta ecoa na sala de recobro improvisada: quanto vale uma vida quando o stock de morfina é dezoito frascos para trezentos feridos?
Profissionais na linha de mira
A ONU contabiliza mais de 1 400 trabalhadores de saúde mortos; dezenas desaparecem nos escombros dos próprios hospitais onde serviam. No dia 2, um míssil atingiu o apartamento do cardiologista Marwan al-Sultan, recém-destituído director do Hospital Indonésio. A comunidade médica perdeu voz, paciente perdeu defensor… e o filho do médico perdeu o pai.
“Chegámos a pensar que os jalecos brancos nos protegiam”, confessa Fátima, enfermeira de 26 anos, agora deslocada em Rafah. Protegiam?
Paciente ou alvo?
Com evacuações forçadas a cada avanço militar, as equipas perdem doentes pelo caminho — feridos demasiado frágeis para andar, recém-nascidos ainda ligados a incubadoras. Militares assumem os corredores hospitalares, decidem quem sai vivo; a antítese do juramento de Hipócrates. Como garantir triagem quando o check-point fica na porta de urgências?
Testemunho do interior
O cirurgião palestiniano Khaled Alser passou sete meses em prisões israelitas antes de regressar ao bloco operatório de Khan Younis. Narra choques eléctricos, cães de ataque e semanas sem tratamento após fracturar duas costelas. Regressou mesmo assim: “Somos curadores; a nossa arma é o bisturi”, diz à jornalista, agarrado ao foco cirúrgico que funciona a gasóleo contrabandeado.
Estatísticas que sangram
- 94 % dos hospitais danificados
- 2 000 camas para 2,2 M de pessoas (era o dobro em 2022)
- 697 ataques verificados a saúde
- 1 400 profissionais mortos
- 80 % das clinicas de cuidados primários fechadas
Quando cifras superam a compreensão, quem contabiliza a dor?
Por que falha a protecção?
Convenções de Genebra exigem distinção entre combatente e civil. Telavive insiste que Hamas “fortifica” hospitais; HRW fala em “ataques desproporcionais”. Observadores independentes não encontram provas de túnel algum sob Nasser, mas encontram alas vazias e sangue seco nos corredores. A lógica militar cala o estetoscópio?
Consequências invisíveis
Brancas nas primeiras horas, feridas abertas gangrenam em dois dias: antibióticos acabaram em Maio. Pacientes oncológicos interrompem quimioterapia; diabéticos reutilizam seringas; parturientes enfrentam cesarianas sem oxigénio. A OMS alerta para surto iminente de septicemia em massa. Que geração sobreviverá sem membros, sem visão, sem futuro?
Caminhos possíveis
Especialistas sugerem corredor de 72 horas para entrada de 500 camiões de material cirúrgico, combustível e geradores – “o mínimo para travar as mortes evitáveis”. Propõem ainda hospitais de campanha modulares, impressos em 3D, prontos em 48 horas. Mas sem cessar-fogo, cada tenda médica pode tornar-se alvo… vale a pena montar se se prevê destruição?