Resumo
- No documento, fala-se de um “défice moral europeu” — um conceito que ganha cada vez mais força para descrever o afastamento entre os valores proclamados pelas instituições e a realidade das suas decisões políticas.
- A compaixão, a solidariedade e a empatia, pilares do projecto europeu, estão a ser substituídos por narrativas securitárias, individualistas e punitivas.
- Iniciativas como o programa Corações Cívicos, lançado este ano em várias escolas secundárias de Lisboa, ensinam os alunos a reconhecer e enfrentar discursos desumanizantes, a partir de debates sobre dilemas morais contemporâneos.
Declínio da empatia e erosão da solidariedade fragilizam a democracia na Europa — especialistas pedem respostas éticas urgentes nas políticas públicas.
A Europa está a perder a bússola moral. A acusação, contundente e inquietante, surge no mais recente relatório “Humanismo Resiliente na Europa”, publicado por uma coligação de centros de investigação e organizações da sociedade civil. No documento, fala-se de um “défice moral europeu” — um conceito que ganha cada vez mais força para descrever o afastamento entre os valores proclamados pelas instituições e a realidade das suas decisões políticas.
A crise, segundo os autores, não é apenas institucional ou económica. É ética. A compaixão, a solidariedade e a empatia, pilares do projecto europeu, estão a ser substituídos por narrativas securitárias, individualistas e punitivas. “Estamos a assistir a uma desumanização progressiva do debate público”, afirma Miguel Dias, investigador em Ética Aplicada na Universidade Católica Portuguesa. “A linguagem dos direitos está a ceder espaço ao léxico da ameaça, do controlo, da fronteira”.
Um espelho desconfortável
O relatório traça um retrato severo: políticas migratórias cada vez mais excludentes, retrocessos nos direitos das minorias, criminalização da pobreza, desprezo pelos vulneráveis. Em vários Estados-membros, multiplicam-se as leis que marginalizam sem oferecer alternativas dignas.
“O que está em causa é a própria ideia de dignidade”, alerta Clara Mendes, diretora da organização Direitos em Rede. “Quando deixamos de ver o outro como igual em humanidade — seja ele refugiado, sem-abrigo ou pessoa trans — deixamos de ser uma comunidade democrática.”
A crítica não se limita à direita política. O relatório acusa mesmo governos progressistas de cederem, por cálculo eleitoral ou pragmatismo económico, aos ventos desumanizantes. A ética pública, dizem, deixou de orientar o debate político e passou a ser um luxo descartável.
Educar para a empatia
Face a este cenário, a reconstrução do espaço público exige mais do que reformas técnicas: exige um novo pacto humanista. “Não basta falar de ética — é preciso praticá-la em cada orçamento, em cada lei, em cada gesto institucional”, defende Maria João Henriques, professora de cidadania e desenvolvimento.
Para muitos educadores, o combate ao défice moral começa nas escolas. Iniciativas como o programa Corações Cívicos, lançado este ano em várias escolas secundárias de Lisboa, ensinam os alunos a reconhecer e enfrentar discursos desumanizantes, a partir de debates sobre dilemas morais contemporâneos.
“A empatia não é inata — treina-se. E se não a ensinarmos agora, o espaço será ocupado por medos e preconceitos”, afirma Henriques.
O retorno do humanismo
No Parlamento Europeu, vozes começam a levantar-se por uma “agenda da dignidade”. Propostas como o Orçamento Ético Europeu, que vincula financiamentos ao cumprimento de critérios de justiça social e inclusão, ganham tração entre grupos progressistas.
Mas será suficiente? “Precisamos de mais do que remendos. Precisamos de um salto cultural”, argumenta Miguel Dias. “A ética tem de voltar a ser o centro — não o acessório — da política europeia. Caso contrário, o projeto europeu estará condenado a definhar.”