Resumo
- O aumento da violência e dos crimes de ódio associados à extrema-direita e ao neonazismo em Portugal atinge agora um ponto crítico com a revelação de infiltrações nas forças de segurança.
- Num relatório da Comissão contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), a entidade manifestou “profunda preocupação” com a banalização do discurso de ódio e dos abusos policiais, apontando a necessidade de formação em direitos humanos e de estudos sobre comportamentos discriminatórios nas forças de segurança.
- ou combate de forma firme e inequívoca o avanço da extrema-direita e a sua infiltração em estruturas do Estado, ou arrisca-se a ver a sua democracia corroída por dentro.
O aumento da violência e dos crimes de ódio associados à extrema-direita e ao neonazismo em Portugal atinge agora um ponto crítico com a revelação de infiltrações nas forças de segurança. A detenção de um chefe da Polícia de Segurança Pública (PSP) envolvido no grupo neonazi Movimento Armilar Lusitano expõe uma realidade inquietante: a contaminação ideológica de estruturas do Estado por correntes antidemocráticas.
Crimes de ódio em ascensão
Entre 2020 e 2024, os crimes de incitamento ao ódio e à violência cresceram mais de 200%, passando de 132 ocorrências para 421, o maior número desde que há registos oficiais. As vítimas são maioritariamente imigrantes, pessoas negras, ciganos e membros da comunidade LGBTI+. A tendência ascendente coincide com o fortalecimento eleitoral da extrema-direita e a sua crescente influência no discurso político e mediático.
Ataques coordenados e presença de milícias
Nos últimos meses, o país assistiu a uma série de ataques violentos atribuídos a células neonazis: agressões a um ator em Lisboa, a voluntárias no Porto, e a um ativista antifascista em Guimarães. O culminar deste ciclo foi a operação “Desarme 3D”, que desmantelou o Movimento Armilar Lusitano — grupo que planeava criar uma milícia armada e atacar instituições democráticas, incluindo o Parlamento. Entre os detidos estavam seis indivíduos, com destaque para o chefe da PSP de serviço na Polícia Municipal de Lisboa. Armas de fogo, explosivos e propaganda neonazi foram apreendidos, parte dela produzida com impressoras 3D.
Formação policial em xeque
Teresa Pizarro Beleza, presidente do Observatório do Racismo e Xenofobia, considera “muito assustador” o envolvimento de agentes da PSP em grupos extremistas. Em declarações à TSF, defende uma revisão séria dos critérios de recrutamento e da formação das forças de segurança: “Casos como estes implicam verificar se há problemas na formação ou até na admissão das pessoas”. Sublinha ainda que o actual contexto parlamentar e o crescimento global da extrema-direita não são alheios a esta realidade, alertando para um “esquecimento histórico da Segunda Guerra Mundial”.
Falta de resposta institucional
A permissividade das autoridades é também criticada por mais de 20 organizações civis, que acusam a PSP de tolerar manifestações de grupos neonazis enquanto aplica critérios mais severos às acções antifascistas. Esta dualidade de tratamento, associada à omissão de referências à extrema-direita nos relatórios de segurança, é vista como sinal de fraqueza institucional perante uma ameaça real.
Europa em alerta
O alerta mais recente veio do Conselho da Europa. Num relatório da Comissão contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), a entidade manifestou “profunda preocupação” com a banalização do discurso de ódio e dos abusos policiais, apontando a necessidade de formação em direitos humanos e de estudos sobre comportamentos discriminatórios nas forças de segurança. O documento destaca ainda a importância de restaurar a confiança entre polícia e minorias, fortemente abalada por práticas opressivas em bairros periféricos.
Democracia em risco
Este fenómeno não é isolado. A presença da extrema-direita como terceira força política no Parlamento português cria um ambiente propício à legitimação do ódio e à desresponsabilização institucional. O risco é claro: a normalização da violência e da intolerância num país que, até recentemente, era considerado um dos mais seguros da Europa.
Portugal enfrenta agora uma encruzilhada: ou combate de forma firme e inequívoca o avanço da extrema-direita e a sua infiltração em estruturas do Estado, ou arrisca-se a ver a sua democracia corroída por dentro. A resposta passa pela justiça, pela educação cívica e por uma atuação decidida do Estado. Porque, como sublinha Teresa Beleza, “somos, felizmente, um Estado de direito — e espero que continuemos a ser.”