Resumo
- O relatório Portugal, Balanço Social 2024 mostra que são os extremos da vida — os mais novos e os mais velhos — quem mais sofre com a pobreza e a exclusão social.
- É preciso reforçar o apoio nas escolas, investir na primeira infância, garantir alimentação de qualidade, acesso a cultura, tempo livre e protecção contra todas as formas de pobreza não monetária.
- Porque uma sociedade justa protege o início e o fim da vida com o mesmo zelo.
Por Redacção
Portugal é, há muito, um país envelhecido. Mas o que os dados mais recentes revelam é mais do que um desequilíbrio demográfico: é uma fratura social geracional. O relatório Portugal, Balanço Social 2024 mostra que são os extremos da vida — os mais novos e os mais velhos — quem mais sofre com a pobreza e a exclusão social.
Não se trata apenas de estatísticas. Trata-se de vidas empurradas para a margem. Crianças que crescem sem o mínimo, idosos que envelhecem a contar cêntimos. A sociedade portuguesa parece ter falhado os seus dois pilares mais frágeis: o início e o fim do percurso.
Crianças: o futuro comprometido
Uma em cada quatro crianças em Portugal vive em risco de pobreza. Mais de um terço está em privação material ou social. São números assustadores num país que se orgulha de oferecer escola gratuita e apoios familiares. Mas onde isso não chega.
Famílias monoparentais, desemprego de longa duração, habitação sobrelotada, alimentação deficiente, acesso limitado a material escolar ou actividades extracurriculares — tudo pesa. A infância pobre é, muitas vezes, o prelúdio de uma vida de exclusão.
“A minha filha pediu aulas de música. Disse-lhe que agora não dá. Só posso prometer o passe e os livros.” — partilha Ana, mãe solteira em Almada.
O problema é estrutural. As transferências sociais ajudam, mas não bastam. É preciso reforçar o apoio nas escolas, investir na primeira infância, garantir alimentação de qualidade, acesso a cultura, tempo livre e protecção contra todas as formas de pobreza não monetária.
Idosos: uma reforma que não chega
No outro extremo, os idosos continuam a representar uma fatia significativa da pobreza em Portugal. Sobretudo os que viveram com baixos salários, carreiras contributivas interrompidas ou em sectores informais. São milhares os que vivem com pensões mínimas — algumas abaixo dos 300 euros.
Muitas vezes sozinhos, em habitações degradadas, sem transporte ou rede de apoio, enfrentam a pobreza com vergonha e resignação. As mulheres são as mais afectadas — vivem mais anos, mas com menos recursos.
Apesar de apoios como o complemento solidário para idosos, as lacunas persistem. A inflação nos bens essenciais, os custos energéticos e os medicamentos agravam a fragilidade.
A classe média envelhecida também treme
Não são apenas os mais pobres. Muitos reformados de classe média vivem hoje com receio de não conseguir manter o nível de vida. As reformas não acompanham o custo de vida real, e os apoios públicos nem sempre são acessíveis. O medo de “vir a depender dos filhos” cresce silenciosamente.
Duas gerações, a mesma exclusão
O mais inquietante? As gerações não estão em confronto — estão lado a lado no sofrimento. As crianças pobres de hoje são os idosos precários de amanhã. E os idosos pobres de hoje foram, muitas vezes, os jovens que nunca tiveram uma oportunidade.
A exclusão repete-se. Sem política de redistribuição forte, sem investimento público estruturado, sem Estado social robusto, o ciclo continua.
Políticas transversais: o que é preciso mudar
O relatório aponta soluções claras: reforço da protecção social, aumento das pensões mínimas, valorização da infância, garantia de acesso a serviços de qualidade (educação, saúde, cultura, transporte), e políticas de habitação intergeracionais.
É necessário pensar políticas que unam gerações — e não que as deixem a competir por apoios. Porque uma sociedade justa protege o início e o fim da vida com o mesmo zelo.
As fraturas entre gerações não são inevitáveis — são escolhas políticas
Portugal não pode ser um país onde os mais novos nascem com menos e os mais velhos morrem com medo. A dignidade não pode ser uma questão de idade.
Porque uma democracia que se quer inteira… cuida das suas pontas.