Resumo
- No mais recente relatório da Médicos Sem Fronteiras (MSF), a organização denuncia que o sistema de distribuição de ajuda alimentar operado pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF) está a minar deliberadamente a dignidade dos civis, ao mesmo tempo que agrava o sofrimento físico e psicológico causado por meses de guerra.
- Para além das lesões físicas — que continuam a encher as clínicas da MSF com vítimas de espancamentos, disparos e quedas em tumultos — o relatório chama a atenção para o trauma psicológico profundo infligido por este sistema.
- A organização apela à revisão urgente do modelo de ajuda em Gaza, exigindo a reinstauração de mecanismos de escuta comunitária, a descentralização dos postos de distribuição, e o respeito absoluto pela dignidade humana como pilar da acção humanitária.
Para a população palestiniana na Faixa de Gaza, obter comida tornou-se mais do que um desafio logístico — tornou-se uma experiência profundamente degradante. No mais recente relatório da Médicos Sem Fronteiras (MSF), a organização denuncia que o sistema de distribuição de ajuda alimentar operado pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF) está a minar deliberadamente a dignidade dos civis, ao mesmo tempo que agrava o sofrimento físico e psicológico causado por meses de guerra.
“Não há escolha, não há privacidade, não há respeito”, afirma uma das profissionais da MSF que presta apoio em Rafah. “As pessoas são forçadas a lutar entre si por migalhas, sob a mira de armas. Isto não é humanitário. É cruel.”
Dignidade negada em cada etapa
O relatório detalha como o actual sistema de ajuda, altamente centralizado, falha em reconhecer a humanidade das pessoas a quem supostamente serve. Em vez de responder às necessidades reais da população, impõe regras arbitrárias, vigilância constante e humilhações públicas.
Nos postos da GHF, não há qualquer mecanismo de consulta ou participação da população local. As pessoas não sabem quando ou se haverá distribuição, nem quais os critérios de acesso. Longas filas formam-se durante horas, muitas vezes sem garantia de que haverá comida suficiente.
“Somos tratados como se estivéssemos a pedir favores. Mas o que queremos é apenas sobreviver”, diz um deslocado interno citado pela MSF.
Perda de controlo e trauma invisível
Para além das lesões físicas — que continuam a encher as clínicas da MSF com vítimas de espancamentos, disparos e quedas em tumultos — o relatório chama a atenção para o trauma psicológico profundo infligido por este sistema.
Pessoas que antes tinham meios de subsistência, casas e redes sociais são agora obrigadas a depender de ajudas aleatórias, numa situação que destrói a noção de autonomia e identidade. “O trauma não vem apenas das bombas. Vem também da perda total de controlo sobre a própria vida”, observa um psicólogo da MSF.
O relatório identifica ainda uma escalada de sintomas de depressão, ansiedade extrema e tentativas de suicídio, especialmente entre adultos responsáveis pelo sustento das famílias. “Não é apenas fome. É desespero.”
“A ajuda não pode humilhar”
A MSF sublinha que a assistência humanitária deve basear-se em princípios de humanidade, imparcialidade, neutralidade e independência. No entanto, o actual modelo falha em todos esses pontos. A distribuição militarizada, sem escuta nem adaptação às necessidades locais, compromete não só a eficácia da ajuda, mas também a saúde mental e emocional dos beneficiários.
“A forma como se presta ajuda importa. Não se pode salvar uma vida ao custo de destruir a dignidade dessa pessoa”, alerta o relatório.
População reduzida ao silêncio
As autoridades que gerem a ajuda — entre elas forças privadas estrangeiras e estruturas associadas a interesses militares — não prestam contas à população civil. As queixas não são ouvidas, e quem protesta é silenciado ou agredido. Muitos palestinianos relutam em recorrer aos pontos de distribuição por medo de serem maltratados, mesmo com fome.
“Estamos a assistir à institucionalização da humilhação como método de controlo”, resume a MSF.
A organização apela à revisão urgente do modelo de ajuda em Gaza, exigindo a reinstauração de mecanismos de escuta comunitária, a descentralização dos postos de distribuição, e o respeito absoluto pela dignidade humana como pilar da acção humanitária.