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Resumo

  • Num mundo marcado por desigualdades, pobreza energética, exclusão habitacional e crises ambientais, o acto de desviar recursos públicos para sistemas de destruição, em vez de os canalizar para necessidades humanas fundamentais, levanta sérias interrogações.
  • E são essas mesmas populações que, em caso de conflito, pagam o preço mais elevado — em vidas, em deslocações forçadas, em traumas silenciosos.
  • Num tempo de escolhas orçamentais difíceis, optar por menos canhões e mais camas de hospital, menos tanques e mais escolas, não é apenas uma questão de política.

À medida que os orçamentos de defesa crescem em vários países europeus, reacende-se um debate crucial: será eticamente legítimo investir somas colossais em armamento, enquanto persistem carências gritantes na habitação, saúde ou educação? A questão interpela consciências e exige uma reflexão que transcende a lógica estratégica. Trata-se de um dilema moral sobre prioridades e valores colectivos.

Investir em armamento não significa, por definição, a vontade de fazer guerra. No entanto, a aquisição sistemática de meios letais transporta consigo um peso simbólico e político difícil de ignorar. Para que servem as armas, afinal, senão para serem usadas? E mesmo que nunca disparem, não projectam, por si só, uma imagem de ameaça? Nestes termos, a ética do armamento não se limita ao uso: começa logo na intenção, no contexto em que a compra é decidida, no que se abdica para financiar o poder bélico.

Num mundo marcado por desigualdades, pobreza energética, exclusão habitacional e crises ambientais, o acto de desviar recursos públicos para sistemas de destruição, em vez de os canalizar para necessidades humanas fundamentais, levanta sérias interrogações. Que segurança se constrói com mísseis quando milhares vivem em barracas? Que paz é possível quando a saúde mental de jovens é deixada à mercê de orçamentos residuais? Quando se investe em armamento, abdica-se — pelo menos parcialmente — de investir noutra ideia de segurança: a que protege a dignidade de viver.

Acresce que o armamento tem consequências indiretas: legitima modelos de poder baseados na força, estimula a corrida armamentista entre países e contribui para normalizar uma cultura de medo e confronto. Por mais que se invoque a dissuasão, não é inocente o gesto de armar-se. É uma mensagem — e, muitas vezes, uma ameaça.

Do ponto de vista ético, o argumento do “mal necessário” é frequentemente mobilizado. Mas quem define esse mal? E quem sofre as consequências? A decisão de investir em armas é, quase sempre, tomada longe das populações que mais sofrem com a ausência de políticas públicas sólidas. E são essas mesmas populações que, em caso de conflito, pagam o preço mais elevado — em vidas, em deslocações forçadas, em traumas silenciosos.

A alternativa a esta visão securitária não é o pacifismo ingénuo. É a afirmação de uma ética da responsabilidade social, que reconhece que a verdadeira segurança se constrói com casas habitáveis, serviços públicos robustos, comunidades coesas. Armas podem impor respeito; direitos asseguram paz. E essa paz é mais difícil de conquistar — mas infinitamente mais duradoura.

Num tempo de escolhas orçamentais difíceis, optar por menos canhões e mais camas de hospital, menos tanques e mais escolas, não é apenas uma questão de política. É uma escolha moral. E é aí que o debate se deve centrar: não apenas no que protege um Estado, mas no que sustenta uma sociedade justa.

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