Resumo
- Já o sistema político, a justiça, os partidos e o Parlamento enfrentam níveis de confiança baixos — e em queda.
- Os escândalos, a morosidade da justiça, a sensação de impunidade e o distanciamento das elites políticas alimentam um sentimento difuso de desilusão.
- Na educação, os pais reconhecem o esforço das escolas — mas questionam a falta de recursos, a instabilidade dos professores e as desigualdades entre territórios.
Por Redacção
Num país onde o Estado assegura saúde, educação, segurança social e justiça, a confiança dos cidadãos nas instituições públicas devia ser sólida como rocha. Mas não é. Em 2024, os portugueses continuam a acreditar no papel do Estado — mas cada vez mais desconfiam de quem o representa. O relatório Portugal, Balanço Social 2024 aponta uma contradição inquietante: precisamos do Estado como nunca, mas acreditamos nele cada vez menos.
É um paradoxo com consequências. Porque sem confiança, até as melhores políticas falham. E quando o descrédito se instala, abre-se espaço para o cinismo, a abstenção e, pior ainda, para o populismo.
Instituições em queda: quem acredita em quem?
A confiança no Serviço Nacional de Saúde, nas escolas públicas e na Segurança Social continua relativamente alta — apesar das queixas. São serviços que, com todas as falhas, cumprem funções vitais e com impacto directo na vida das pessoas.
Já o sistema político, a justiça, os partidos e o Parlamento enfrentam níveis de confiança baixos — e em queda. Os escândalos, a morosidade da justiça, a sensação de impunidade e o distanciamento das elites políticas alimentam um sentimento difuso de desilusão.
“Parece que há dois países. Um para nós, outro para eles. Quando precisamos do Estado, somos postos em fila. Quando eles precisam, há sempre uma porta lateral.” — desabafa Rui, 46 anos, trabalhador independente em Coimbra.
Serviços públicos: entre a gratidão e a frustração
O relatório mostra que a maioria dos portugueses reconhece o valor dos serviços públicos. Mas também evidencia um mal-estar crescente: tempos de espera intermináveis, falta de profissionais, degradação das infraestruturas, burocracias labirínticas.
Na saúde, por exemplo, a confiança existe — mas esgota-se nos corredores de espera e na dificuldade de aceder a cuidados especializados. Na educação, os pais reconhecem o esforço das escolas — mas questionam a falta de recursos, a instabilidade dos professores e as desigualdades entre territórios.
O problema, muitas vezes, não é o princípio do Estado. É a sua execução.
Corrupção e falta de transparência: os buracos negros
A percepção de corrupção nas instituições públicas é um dos principais factores de erosão da confiança. Não basta serem honestas — as instituições têm de parecer honestas. Quando os cidadãos vêem políticos trocarem cargos públicos por lugares em grandes empresas, quando assistem a processos judiciais que nunca chegam ao fim, quando sentem que há sempre quem “dê a volta ao sistema”, a confiança quebra-se. E não volta depressa.
A falta de transparência, de prestação de contas e de envolvimento dos cidadãos nas decisões públicas alimenta esta distância.
Confiança constrói-se, não se exige
A boa notícia? A confiança não está perdida. Mas tem de ser (re)construída. Com participação cívica, transparência, proximidade e resultados. Os cidadãos não querem milagres — querem coerência. Querem sentir que os impostos que pagam servem um bem comum. Que as leis são iguais para todos. Que quem governa sabe o que faz — e para quem o faz.
Políticas públicas com impacto visível, líderes com integridade, serviços que respondem e escutam: é essa a receita.
Sem confiança, a democracia treme
Desacreditar o Estado é enfraquecer a democracia. É pôr em causa o pacto colectivo que nos une. Quando se quebra a confiança, cresce o individualismo, a alienação política e o risco de soluções autoritárias. Por isso, a questão é mais do que administrativa — é existencial.
Ainda acreditamos no Estado? Sim — mas estamos a pô-lo à prova.
E cabe às instituições responder com verdade, eficácia e humildade. Porque só com confiança se constrói um país que vale a pena viver — para todos.