Em Portugal, Hoje: O Medo de Existir, José Gil fala da “sociedade civil” sobretudo para sublinhar a ausência de um verdadeiro espaço público português – um “buraco negro” entre cidadãos, instituições e Estado que acabou preenchido pelos media. Quando esse vazio não é ocupado por debate, criação ou conflito produtivo, os portugueses mantêm-se numa “não-inscrição”: os acontecimentos não se fixam na memória colectiva, nada “acontece” verdadeiramente e, por isso, nada é transformado. A “sociedade civil em acção” seria, para Gil, o movimento capaz de furar esse nevoeiro – isto é, tomar posse do espaço público com actos visíveis e inscritos, quebrando a paralisia do medo.
Dois pontos-chave ajudam a entender o conceito:
1. Fragilidade estrutural – A sociedade civil existe “à superfície”, feita de laços afectivos imediatos, mas com fraca densidade institucional. Isso explica o mito dos “brandos costumes”: um ambiente aparentemente pacífico que encobre uma violência subterrânea regulada pelo medo .
2. Media como palco substituto – Sem verdadeira arena pública, quem não passa pela televisão “tende a desaparecer da vida pública”. Os media tornam-se o único lugar de presença social, reforçando a passividade dos espectadores e dificultando a emergência de uma cidadania activa .
Quando Gil fala da sociedade civil em acção, portanto, não aponta para ONG s ou associações isoladas, mas para um gesto colectivo que cria inscrição – debate que deixa marca, protesto que desaloja hábitos, obras e discursos que abrem espaço para outros falarem. É nessa inscrição que o medo se dissolve; agir em público gera confiança e, a pouco e pouco, corrói o ciclo de não-inscrição.