Resumo
- Com cerca de 1 milhão de votos nas últimas legislativas e presença em todos os círculos eleitorais, o partido de André Ventura consolidou-se como a terceira força política nacional — mas sempre à margem das regras internas democráticas e da ortodoxia constitucional.
- entre estabilidade e oportunidadeO Partido Socialista, tradicionalmente o mais beneficiado com o voto útil em contexto de crise política, poderá colher ganhos colaterais se a direita entrar em disputa interna pela herança do Chega.
- Se o partido for extinto, Ventura não perde automaticamente o mandato parlamentar, mas perde a estrutura, o símbolo, os fundos e o canal de mobilização directa.
Lisboa, 07 nov 2025 – Por [Nome do Autor]
A eventual extinção do Chega, hoje em avaliação pelo Ministério Público e dependente de decisão do Tribunal Constitucional, não é apenas uma bomba jurídica. É também um terramoto estratégico.
Com cerca de 1 milhão de votos nas últimas legislativas e presença em todos os círculos eleitorais, o partido de André Ventura consolidou-se como a terceira força política nacional — mas sempre à margem das regras internas democráticas e da ortodoxia constitucional.
Se for extinto, o mapa partidário português muda — e ninguém, à esquerda ou à direita, fica indiferente.
O PSD: entre absorver e não contaminar
O Partido Social Democrata é, à partida, o principal beneficiário potencial da extinção do Chega. Parte do eleitorado mais conservador, sobretudo fora das áreas urbanas, poderá regressar à casa-mãe da direita tradicional.
Mas há riscos. Reabsorver votos sem parecer cúmplice pode exigir uma ginástica política delicada. O PSD de Montenegro tem tentado distanciar-se da retórica populista, mas também acenou várias vezes com pontes para o Chega.
“A recuperação de eleitorado só acontecerá se o PSD conseguir apresentar firmeza em temas como segurança e imigração — sem cair no discurso punitivista”, analisa o cientista político Carlos Pimentel.
A Iniciativa Liberal: oportunidade para crescer… ou dividir
A Iniciativa Liberal pode atrair o eleitorado do Chega mais motivado por causas anti-sistema e descontentamento com o “centrão”. Mas o perfil desse eleitorado — menos liberal nos costumes, mais autoritário nos valores — não casa bem com o ADN programático do partido.
A IL terá de decidir se reforça a sua identidade liberal clássica, arriscando perder parte do espólio eleitoral disponível, ou se adapta a sua comunicação para captar órfãos políticos do Chega.
O ADN e outras forças emergentes: espaço para novo populismo?
Partidos como o ADN – Alternativa Democrática Nacional, o Ergue-te (caso renasça), ou novas formações de direita radical podem rapidamente preencher o vazio deixado pelo Chega.
A sua vantagem é simbólica: podem apresentar-se como vítimas da repressão judicial, herdeiros naturais da causa “traída pela justiça” e mais livres de passado institucional.
“Extinguir o Chega não extingue o seu capital simbólico. Esse capital pode migrar para uma nova estrutura — até mais radical e menos escrutinável”, alerta a investigadora em populismo Teresa Botelho.
A Esquerda: menos pressão identitária, mas risco de complacência
À esquerda, a extinção do Chega alivia a pressão discursiva sobre temas como imigração, multiculturalismo, segurança e género. O debate poderá recentrar-se em questões económicas e sociais — onde os partidos à esquerda do PS se movem com maior fluidez.
No entanto, a tentação de ver a extinção como “vitória moral” pode levar à complacência estratégica. O populismo de direita não desaparece — apenas muda de casca. E o eleitorado que o legitima permanece politicamente ativo.
O PS: entre estabilidade e oportunidade
O Partido Socialista, tradicionalmente o mais beneficiado com o voto útil em contexto de crise política, poderá colher ganhos colaterais se a direita entrar em disputa interna pela herança do Chega.
Além disso, o PS pode apresentar-se como força de estabilidade constitucional, reforçando o seu discurso de “pilar da democracia” num momento de turbulência.
Mas corre o risco de ser acusado de complacência institucional, sobretudo se se demarcar pouco da atuação do Ministério Público e do Tribunal Constitucional.
André Ventura: mártir ou fundador de outra coisa?
O maior incógnita, porém, é o próprio André Ventura. Se o partido for extinto, Ventura não perde automaticamente o mandato parlamentar, mas perde a estrutura, o símbolo, os fundos e o canal de mobilização directa.
Terá de decidir se funda um novo partido — o que implicaria ultrapassar novamente as barreiras legais do Tribunal Constitucional — ou se se junta a uma estrutura existente.
“Se conseguir capitalizar a extinção como ataque pessoal e político, Ventura pode sair reforçado — como vítima e símbolo ao mesmo tempo”, diz o socólogo político Jorge Franco.
Conclusão: uma guerra pelo espaço, não pelos estatutos
A extinção do Chega — se vier a concretizar-se — não fecha um ciclo. Abre uma disputa feroz por um eleitorado decisivo, uma linguagem política disruptiva e uma força simbólica que rompeu com o “centro dialogante”.
Quem ganhará com o desaparecimento do partido?
Dependerá de quem souber traduzir o seu legado político… sem repetir os seus erros jurídicos.