Resumo
- “Nao e a quantidade de insultos que define a inconstitucionalidade de um partido — e a estrutura sistematica do discurso de exclusao”, explica o linguista politico Miguel Faria.
- Cultura de exclusao e culto do liderFinalmente, a peticao aponta a ausencia de pluralismo interno no partido, a centralizacao total das decisoes em torno de Andre Ventura e a repressao sistematica de dissidencias.
- O precedente alemao e a doutrina europeiaGarcia Pereira invoca, alem da jurisprudencia nacional, casos de dissolucao de partidos extremistas na Alemanha (NPD, SRP) e Espanha (Batasuna), defendendo que a defesa da democracia exige medidas juridicas contra estruturas partidarias que funcionem como ameaca sistematica a ordem constitucional.
Discursos, slogans, propostas e publicacoes: os argumentos que sustentam a tese de que o Chega e uma organizacao ideologica inconstitucional — e pode ser extinto por isso.
Lisboa, 07 nov 2025 – Por [Nome do Autor]
“Tres vezes Salazar!” — foi o grito ouvido num comicio do Chega em Coimbra, em fevereiro de 2024, apos um discurso inflamado de Andre Ventura sobre “limpeza cultural” e “imigracao descontrolada”. A frase, repetida por dezenas de apoiantes, tornou-se viral nas redes sociais — e e hoje um dos exemplos-chave no requerimento de extincao do partido entregue por Antonio Garcia Pereira ao Ministerio Publico.
Mas nao e caso unico. A peticao de 124 paginas que pede a dissolucao legal do Chega baseia-se num corpo vasto de indicios ideologicos, recolhidos nos ultimos cinco anos, que incluem:
- Propostas legislativas incompatveis com a Constituicao;
- Cartazes e slogans de cariz discriminatorio;
- Apelos a restricao de direitos fundamentais;
- Referencias positivas ao Estado Novo e a figuras do regime fascista.
Este artigo apresenta os principais pontos dessa acusacao, cruzando-os com a jurisprudencia e o artigo 18.o da Lei dos Partidos Politicos.
- Apologia do regime fascista
Entre 2021 e 2024, dirigentes do Chega publicaram diversas declaracoes publicas glorificando Salazar e o periodo do Estado Novo. Em discursos, entrevistas e redes sociais, surgiram frases como:
“Salazar devolveu dignidade a Portugal.”
“Com Salazar, nao havia criminalidade.”
“Precisamos de uma nova ordem moral, como em 1933.”
Estas declaracoes violam o artigo 46.o da Constituicao, que proibe a existencia de organizacoes que “perfilhem ideologia fascista”.
“Nao se trata de opinioes pessoais, mas de declaracoes recorrentes de dirigentes partidarios com impacto publico e programatico”, argumenta Garcia Pereira no requerimento. - Discurso de odio contra minorias
A peticao inclui dezenas de exemplos de discurso discriminatorio contra ciganos, muculmanos, africanos, migrantes e comunidade LGBT+. Entre os mais citados:
- Cartaz de campanha autarquica: “Basta de ciganos a viver do nosso dinheiro!”
- Declaracao de deputado: “Imigrantes ilegais deviam ser todos deportados sem julgamento.”
- Proposta legislativa: “Suspensao de apoios sociais para familias de etnia cigana com filhos fora da escola.”
“Este tipo de comunicacao publica configura uma sistematica promocao do odio e da desigualdade, violando o principio da dignidade humana consagrado na Constituicao”, sublinha a jurista Teresa Almeida.
- Propostas legislativas inconstitucionais
O Chega apresentou, entre 2020 e 2024, diversas propostas de lei e mocao com conteudo incompatvel com a Constituicao, incluindo:
- Castracao quimica obrigatoria para condenados por crimes sexuais;
- Prisao perpetua em certos casos de reincidencia;
- Suspensao temporaria de direitos civis em bairros considerados “hostis” a autoridade;
- Encerramento de mesquitas “com ligacoes suspeitas”.
Nenhuma destas propostas foi aprovada, mas o facto de serem apresentadas em sede parlamentar mostra intencao programatica, algo considerado relevante para efeitos de avaliacao legal da ideologia de um partido.
- Normalizacao do vocabulario autoritario
A peticao enumera expressoes e palavras sistematicamente usadas por dirigentes do Chega em contexto publico:
“Limpesa etica”
“Lixo multicultural”
“Cultura de submissao africana”
“Moralizacao racial”
Estes termos, segundo especialistas em discurso politico, correspondem a um lexico tipico de movimentos neofascistas, com foco na purificacao simbolica da nacao.
“Nao e a quantidade de insultos que define a inconstitucionalidade de um partido — e a estrutura sistematica do discurso de exclusao”, explica o linguista politico Miguel Faria. - Cultura de exclusao e culto do lider
Finalmente, a peticao aponta a ausencia de pluralismo interno no partido, a centralizacao total das decisoes em torno de Andre Ventura e a repressao sistematica de dissidencias.
Exemplos citados:
- Exclusao de fundadores e membros criticos sem processo formal;
- Alteracoes estatutarias unilaterais para reforcar o poder do lider;
- Convocacoes de convencoes sem publicacao de listas.
Estes factos, ja reconhecidos em acordaos do Tribunal Constitucional, reforcam a tese de que o Chega funciona como organizacao autoritaria e sem legalidade interna.
O precedente alemao e a doutrina europeia
Garcia Pereira invoca, alem da jurisprudencia nacional, casos de dissolucao de partidos extremistas na Alemanha (NPD, SRP) e Espanha (Batasuna), defendendo que a defesa da democracia exige medidas juridicas contra estruturas partidarias que funcionem como ameaca sistematica a ordem constitucional.
E agora?
O Ministerio Publico tem nas maos um dossie robusto — e uma decisao institucional delicada. A acusacao ideologica contra o Chega nao e baseada em opinioes, mas em registos documentados, propostas parlamentares e decisoes judiciais.
Se decidir avancar com o pedido de extincao, o Tribunal Constitucional tera de avaliar, ponto por ponto, se existe uma violacao estrutural da Constituicao que justifique a dissolucao.
Porque uma democracia nao pode fingir que nao ve. E a linguagem — sim, ate os cartazes — tambem mata constituicoes.