Resumo
- Dois precedentes com valor explosivoEm 2022, o Tribunal Constitucional extinguiu o partido Ergue-te, por não ter atualizado os seus órgãos durante mais de seis anos e não apresentar atividade organizativa mínima.
- Assim, caso o Ministério Público venha a pedir a extinção do Chega, o TC terá de justificar — com base jurídica clara — qualquer desvio da linha anteriormente seguida.
- “Se há prova documental, e se os precedentes foram firmes, a omissão do Tribunal seria um precedente ainda mais perigoso do que a extinção”, alerta o juiz jubilado Anselmo Rocha.
O Tribunal Constitucional já extinguiu partidos por muito menos. Aliança e Ergue-te caíram por falhas formais. O que acontecerá a um partido cuja ilegalidade interna é comprovada por acórdãos?
Lisboa, 07 nov 2025 – Por [Nome do Autor]
A política portuguesa olha, por estes dias, para os arquivos do Tribunal Constitucional com nervosismo. O pedido de extinção judicial do Chega, apresentado por António Garcia Pereira e atualmente em avaliação pelo Ministério Público, faz eco de decisões anteriores — decisões que, embora discretas, criaram jurisprudência com consequências sérias.
Os casos dos partidos Aliança, de Pedro Santana Lopes, e Ergue-te, de António Peixoto, mostram como o Tribunal não hesita em dissolver partidos que falham nos seus deveres legais mínimos. E no caso do Chega, as falhas acumulam-se: convenções anuladas, direções ilegítimas e ausência de atualizações estatutárias válidas desde 2019.
Dois precedentes com valor explosivo
Em 2022, o Tribunal Constitucional extinguiu o partido Ergue-te, por não ter atualizado os seus órgãos durante mais de seis anos e não apresentar atividade organizativa mínima.
Pouco depois, em 2023, caiu o Aliança, fundado por Santana Lopes. O motivo? Ausência de comunicação da composição dos seus órgãos, falhas no cumprimento do estatuto e incumprimento reiterado do artigo 18.º da Lei dos Partidos Políticos.
“A jurisprudência do TC não é simbólica. É funcional e aplicável. E nestes dois casos, as falhas foram puramente administrativas. O caso do Chega é mais complexo — e mais grave”, sublinha o jurista Pedro Azevedo.
Chega: a falha técnica e a carga ideológica
Nos dois partidos extintos anteriormente, não existia qualquer controvérsia ideológica. O Tribunal limitou-se a aplicar a lei em função de obrigações formais: atas em falta, direções inexistentes, ausência de comunicação oficial.
No caso do Chega, as irregularidades formais já são suficientes — mas somam-se ainda denúncias de discurso inconstitucional, promoção de ideias racistas, propostas antidemocráticas e glorificação do passado autoritário.
“Se o TC aplicou a lei com dureza a partidos inativos, como justificara uma eventual indulgência perante um partido com ilegalidades comprovadas e mandato parlamentar?”, questiona a politóloga Filipa Esteves.
O valor da jurisprudência: um alerta a todos os partidos
Estes precedentes não obrigam, mas orientam. E o Tribunal Constitucional valoriza a coerência decisória. Assim, caso o Ministério Público venha a pedir a extinção do Chega, o TC terá de justificar — com base jurídica clara — qualquer desvio da linha anteriormente seguida.
O impacto vai muito além do Chega. Muitos partidos — especialmente os de menor dimensão ou criados em ciclos eleitorais específicos — negligenciam atualizações obrigatórias, registos formais e obrigações documentais.
“O caso Chega está a pôr o sistema partidário sob lupa. A legalidade interna deixou de ser um detalhe — passou a ser condição de sobrevivência”, observa o constitucionalista José Dinis.
Uma espada sobre o sistema partidário
A aplicação firme da jurisprudência existente pode inaugurar um novo paradigma: partidos serão responsabilizados não só pelos seus discursos, mas pela sua estrutura e organização.
É a Constituição, e não os eleitores, quem define se um partido é legal. O voto dá legitimidade política — mas não substitui a legalidade institucional.
Um tribunal sem margem para hesitações?
Perante os antecedentes, o TC terá de responder com clareza. Extinguir ou não extinguir o Chega será, inevitavelmente, uma decisão política nas suas consequências, mas jurídica na sua base.
“Se há prova documental, e se os precedentes foram firmes, a omissão do Tribunal seria um precedente ainda mais perigoso do que a extinção”, alerta o juiz jubilado Anselmo Rocha.
Em resumo: a jurisprudência existe. Agora, falta saber se terá coragem para ser aplicada a quem está no poder.