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Resumo

  • Em 14 de novembro de 2023, os canais oficiais das Forças de Defesa de Israel (IDF) e o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciaram, com pompa militar, que Hussein Fayyad, comandante de uma brigada da Jihad Islâmica Palestina, tinha sido morto num ataque aéreo de precisão em Khan Younis, sul de Gaza.
  • Segundo o comunicado inicial do IDF, o ataque de 14 de novembro foi baseado em “informações de inteligência fiáveis” e “observação aérea contínua”.
  • Se “matar” um inimigo é tão importante para a narrativa quanto para a estratégia militar, o que impede que a verdade seja sacrificada em nome da propaganda.

Em 14 de novembro de 2023, os canais oficiais das Forças de Defesa de Israel (IDF) e o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciaram, com pompa militar, que Hussein Fayyad, comandante de uma brigada da Jihad Islâmica Palestina, tinha sido morto num ataque aéreo de precisão em Khan Younis, sul de Gaza.
A declaração foi acompanhada de imagens noturnas de explosões e de um comunicado sucinto:

“O terrorista Hussein Fayyad foi eliminado. As nossas forças continuarão a caçar líderes inimigos.”

Durante semanas, a notícia circulou como prova da eficácia da inteligência israelita. Mas, a 3 de fevereiro de 2024, um vídeo transmitido pela estação TRT World mostrava Fayyad vivo, discursando para combatentes armados numa zona de Gaza ainda sob controlo palestiniano. As redes sociais explodiram com perguntas: como é possível “matar” alguém que volta a aparecer meses depois?


O primeiro “óbito” militar

Segundo o comunicado inicial do IDF, o ataque de 14 de novembro foi baseado em “informações de inteligência fiáveis” e “observação aérea contínua”. O alvo, alegadamente, estava num prédio usado como centro de comando e comunicações.
Fontes militares garantiram a meios como o Times of Israel que Fayyad “não sobreviveu à explosão”. Nenhuma prova visual direta da morte foi divulgada — apenas imagens de drones mostrando um edifício destruído.

A ausência de corpo ou confirmação independente passou despercebida num ambiente de guerra saturado de anúncios de “eliminação de alvos”.


O regresso inesperado

O reaparecimento de Fayyad em fevereiro foi um golpe na credibilidade do IDF. O vídeo, geolocalizado por analistas do Middle East Eye e confirmado por especialistas OSINT, mostrava o comandante com a mesma cicatriz no lado esquerdo do rosto, idêntica à visível em fotografias anteriores ao alegado ataque fatal.

Além de discursar, Fayyad enviou uma mensagem clara ao público israelita:

“Eles disseram que eu estava morto. Estou vivo e continuo a lutar.”


Erro de inteligência ou propaganda deliberada?

Especialistas em segurança divergem sobre as causas do erro.

  • Teoria 1 — Falha de identificação: O ataque terá morto outro combatente, confundido com Fayyad.
  • Teoria 2 — Informação não verificada: A “eliminação” teria sido anunciada antes de se confirmarem detalhes, numa corrida por vitórias mediáticas.
  • Teoria 3 — Estratégia de desinformação: Uma alegação falsa, deliberada, para enfraquecer o moral dos adversários e reforçar o apoio interno.

O analista militar Michael Milshtein, ex-oficial de inteligência israelita, afirmou ao Haaretz:

“Anunciar a morte de um líder inimigo sem provas físicas robustas é uma jogada arriscada. Se ele reaparece, o dano à credibilidade é profundo.”


Não é caso isolado

Relatórios do DFRLab e da Bellingcat documentam pelo menos outros cinco casos semelhantes desde outubro de 2023, envolvendo figuras do Hamas e da Jihad Islâmica. Em alguns, os alvos efetivamente morreram semanas depois, mas a primeira declaração oficial revelou-se precipitada.

O padrão sugere que, em guerra de narrativas, o “primeiro impacto” vale mais do que a confirmação factual. Uma vitória anunciada cedo pode gerar apoio imediato, mesmo que mais tarde seja desmentida.


As consequências

O reaparecimento de Hussein Fayyad teve efeitos práticos:

  • Moral reforçado entre combatentes palestinianos.
  • Desgaste da confiança entre o público israelita e as suas forças armadas.
  • Dúvidas acrescidas da comunidade internacional sobre a fiabilidade das informações emitidas por Israel.

Organizações de monitorização de conflitos alertam que este tipo de erro alimenta a desinformação, cria espaço para teorias conspirativas e dificulta esforços de mediação.


A pergunta que fica

Se “matar” um inimigo é tão importante para a narrativa quanto para a estratégia militar, o que impede que a verdade seja sacrificada em nome da propaganda?
No caso de Hussein Fayyad, a resposta é desconfortável: a morte foi anunciada antes de acontecer.

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