Resumo
- Lisboa, 2 de Agosto de 2025 — Numa altura em que a guerra em Gaza expõe as tensões mais profundas do sistema internacional, também em Portugal se torna cada vez mais visível a existência de um núcleo de apoio político e mediático ao Estado de Israel.
- Uma estrutura fluida, com pontos de contacto na comunicação social, nos partidos do centro e da direita e na diplomacia, que opera sobretudo por via simbólica, mas com impacto efectivo no debate público.
- partidos de centro-direita e extrema-direita em vários países têm vindo a reforçar a ligação com o governo de Telavive, como parte da sua agenda securitária e identitária.
Lisboa, 2 de Agosto de 2025 — Numa altura em que a guerra em Gaza expõe as tensões mais profundas do sistema internacional, também em Portugal se torna cada vez mais visível a existência de um núcleo de apoio político e mediático ao Estado de Israel. A figura mais proeminente deste grupo é Helena Ferro Gouveia, comentadora regular da CNN Portugal, cuja defesa pública de Israel ultrapassa os limites do comentário opinativo para tocar o domínio do alinhamento diplomático. Mas ela não está sozinha.
Esta reportagem traça as redes de influência, afinidades políticas, eventos públicos e discursos sincronizados que sugerem a existência de um lobby informal pró-Israel em Portugal. Uma estrutura fluida, com pontos de contacto na comunicação social, nos partidos do centro e da direita e na diplomacia, que opera sobretudo por via simbólica, mas com impacto efectivo no debate público.
Jantares, brindes e solidariedade partilhada
A 15 de Junho de 2024, Helena Ferro Gouveia publicou no Instagram uma fotografia sorridente na festa de despedida do embaixador israelita Dor Shapira. Na imagem, políticos do PSD, CDS e PS, jornalistas de vários quadrantes e diplomatas brindavam num cenário descontraído. Nada de extraordinário — não fosse o momento: semanas depois de a ONU ter denunciado bombardeamentos indiscriminados em campos de refugiados e hospitais na Faixa de Gaza.
A presença em eventos organizados pela embaixada israelita ou pela comunidade judaica portuguesa tem sido recorrente. Ferro Gouveia partilha regularmente declarações de apoio ao “direito de Israel à existência e à defesa”, mas fá-lo sem distinguir entre Estado e governo, nem sem reconhecer a desproporção dos ataques militares.
A sua posição é clara: “Defender Israel é uma convicção. E também uma posição que me custou dissabores profissionais”, afirmou numa publicação em Maio.
Uma rede difusa mas coerente
Para além de Ferro Gouveia, outros nomes têm estado associados ao que se pode designar — com rigor conceptual — como um lobby informal. Trata-se de uma rede de influência que não se apresenta como organização formal, mas que age através de canais simbólicos e mediáticos.
Entre os actores visíveis estão:
- José Manuel Fernandes (Observador): editor e colunista com histórico de colunas favoráveis a Israel e críticas duras a protestos pró-Palestina.
- Miguel Poiares Maduro: académico e ex-ministro que, embora menos vociferante, tem defendido a narrativa de Israel como “democracia sitiada”.
- Representantes da comunidade judaica de Lisboa, com acesso recorrente a meios de comunicação e espaço de opinião.
- Comentadores do PSD e CDS, como Carlos Guimarães Pinto e Nuno Melo, que evocam frequentemente a “defesa de valores ocidentais” como justificação da aliança com Israel.
Trata-se de uma rede ideológica, não hierárquica, mas eficaz: com capacidade de resposta mediática, linguagem partilhada, presença estratégica em painéis de televisão e vínculos regulares com a diplomacia israelita.
O que se ganha com o alinhamento?
À pergunta “o que se ganha ao defender incondicionalmente Israel?”, a resposta divide-se em várias camadas:
- Capital simbólico: estar do lado de Israel, num contexto de polarização, é frequentemente lido como sinónimo de defesa da civilização, da modernidade, da luta contra o “terrorismo islâmico”. É uma posição que granjeia respeito nos meios conservadores e segurança política junto de elites diplomáticas.
- Capital mediático: vozes que defendem Israel de forma enfática tendem a ser recompensadas com visibilidade. O espaço para comentaristas pró-Palestina é menor, e muitas vezes acompanhado de desconfiança editorial.
- Capital político: partidos de centro-direita e extrema-direita em vários países têm vindo a reforçar a ligação com o governo de Telavive, como parte da sua agenda securitária e identitária. Portugal, embora menos explícito, não está imune.
- Imunidade crítica: em nome da luta contra o antissemitismo (uma luta absolutamente legítima), certos discursos sobre Israel tornam-se quase intocáveis. A crítica à acção militar israelita é frequentemente rotulada de “ódio aos judeus”, truncando o debate e blindando os porta-vozes mais alinhados.
O silêncio dos moderados e o desequilíbrio público
Importa sublinhar: o apoio a Israel não é, em si, ilegítimo. O que se torna problemático é a ausência de pluralismo e a opacidade com que certos vínculos se estabelecem. Nenhuma dessas figuras se apresenta como representante do Estado israelita, mas muitas ecoam ponto por ponto os argumentos da diplomacia de Telavive — sem o contraditório que se exige a qualquer espaço jornalístico.
Num sistema mediático plural, seria legítimo e até desejável ouvir vozes pró-Israel — desde que acompanhadas de análises críticas, testemunhos de ONGs e cobertura directa dos efeitos da ocupação e dos bombardeamentos. Não é isso que acontece.
A maior parte dos programas de comentário político em Portugal conta com presença assídua de Helena Ferro Gouveia. O mesmo não se pode dizer de académicos ou analistas especializados no conflito israelo-palestiniano que ofereçam leituras críticas. Esse desnível é também uma forma de desinformação.
Quando o comentário se torna estratégia
O lobby israelita em Portugal não precisa de escritórios nem organigramas. Actua através da normalização simbólica de uma narrativa hegemónica, disfarçada de análise. Usa o prestígio de vozes locais, o capital de figuras públicas e o silêncio cúmplice de quem, por receio ou conveniência, evita confrontar posições parciais e ideológicas.
Helena Ferro Gouveia é, por mérito próprio e exposição repetida, o rosto mais visível desse mecanismo. Mas é apenas a ponta de um icebergue discursivo que opera todos os dias nos bastidores do comentário político e da opinião publicada.