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Resumo

  • A “Proposta de Política de Habitação – Eixos Estratégicos e Recomendações” defende a criação de bairros modulares-piloto, com capacidade para 100 famílias e prazos de execução inferiores a 16 meses — do desenho à chave na mão.
  • Enquanto uma urbanização tradicional pode levar três a cinco anos a concluir, um bairro modular pode erguer-se em pouco mais de um ano, com menor consumo de recursos, menor pegada ecológica e maior previsibilidade de custos.
  • Para os promotores da proposta, a criação de bairros modulares não é apenas uma medida de emergência — é uma mudança estrutural na forma como se pensa e se faz cidade.

Inspirados por experiências em Toronto, Helsínquia ou Zurique, urbanistas portugueses propõem construir bairros modulares em tempo recorde para responder à crise da habitação. Mas o país está pronto para casas por montar?

Por [Nome do Repórter]*

Nos arredores de Toronto, um bairro com casas pré-fabricadas acolhe dezenas de famílias em situação de vulnerabilidade. Em Helsínquia, jovens casais partilham estruturas modulares sustentáveis, integradas na malha urbana. Em Zurique, um conjunto de pavilhões de madeira reaproveitada tornou-se símbolo de arquitectura circular. Todos estes exemplos partem de uma mesma premissa: a rapidez da construção modular como resposta à escassez e ao custo da habitação.

Em Portugal, o conceito começa a sair dos laboratórios de arquitectura e dos PowerPoints institucionais. A “Proposta de Política de Habitação – Eixos Estratégicos e Recomendações” defende a criação de bairros modulares-piloto, com capacidade para 100 famílias e prazos de execução inferiores a 16 meses — do desenho à chave na mão. Mas será este modelo replicável no contexto português?

Velocidade, custo e adaptabilidade

A principal promessa da construção modular é o tempo. Enquanto uma urbanização tradicional pode levar três a cinco anos a concluir, um bairro modular pode erguer-se em pouco mais de um ano, com menor consumo de recursos, menor pegada ecológica e maior previsibilidade de custos.

“As estruturas são montadas em fábrica com controlo rigoroso de qualidade e transportadas para o local, onde basta montar e ligar aos serviços”, explica Ana Prates, arquitecta e investigadora em construção sustentável. “Além disso, o modelo permite adaptar o número e a tipologia de casas à evolução das necessidades.”

Segundo o relatório técnico, os bairros modulares poderiam ser financiados através do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), combinando fundos europeus com instrumentos públicos de habitação como o programa 1.º Direito.

Mas há um obstáculo: a regulamentação urbanística portuguesa não está preparada para soluções flexíveis e temporárias. As licenças de construção, os planos de ordenamento e os instrumentos de planeamento urbano continuam orientados para edificações permanentes, com fundações e volumetrias rígidas.

O estigma da casa “de plástico”

Mesmo entre quem reconhece as vantagens técnicas, subsiste uma resistência cultural à ideia de “casas pré-fabricadas”. Há uma associação enraizada entre habitação digna e alvenaria tradicional. A palavra “modular” evoca, para muitos, contentores de obra, soluções precárias ou alojamentos temporários.

“É um preconceito sem fundamento técnico”, defende Luís Matias, engenheiro de uma empresa portuguesa especializada em construção modular. “Os novos sistemas têm melhor isolamento térmico, menor manutenção e estão preparados para durar décadas. O problema é o marketing — não o material.”

Em países como os Países Baixos ou a Finlândia, os bairros modulares são uma solução de longo prazo com forte componente comunitária. Incluem espaços verdes, equipamentos sociais e tipologias variadas. A estética já não é um entrave: estruturas de madeira, painéis solares e jardins verticais fazem parte da nova paisagem modular.

Lisboa como laboratório

Entre as propostas em análise no relatório técnico encontra-se um projecto-piloto para a Área Metropolitana de Lisboa. O objectivo: transformar terrenos públicos subaproveitados em núcleos habitacionais modulares, com rentabilidade social e ambiental.

A autarquia de Lisboa já identificou terrenos com essa finalidade, mas não avançou com nenhum concurso público até ao momento. Fontes da Câmara reconhecem “potencial no modelo”, mas referem “obstáculos legais e resistência dos serviços técnicos”.

Do lado do sector privado, empresas como a MYC Modular e a Homebox afirmam estar prontas para fornecer estruturas completas com prazos entre seis e nove meses. O problema, dizem, é a ausência de um enquadramento legal claro e de procurement público adaptado a soluções industrializadas.

A nova aldeia não tem ruas de paralelos

Para os promotores da proposta, a criação de bairros modulares não é apenas uma medida de emergência — é uma mudança estrutural na forma como se pensa e se faz cidade.

“Trata-se de integrar inovação construtiva com urbanismo sensível e participativo”, diz Rita Fonseca, urbanista e coautora do relatório. “Não se trata de empilhar módulos, mas de criar comunidades coesas, bem servidas, ligadas por transportes, escolas e espaço público.”

Entre as recomendações estão a criação de um regulamento nacional para construção modular, a simplificação do licenciamento para projectos piloto e a inclusão deste modelo no novo Plano Nacional de Habitação.

Pode uma casa montada em 16 meses durar 50 anos?

A questão deixa de ser técnica e passa a ser política. A rapidez está provada. A qualidade é crescente. A aceitação social está em construção. Mas sem decisão política, os bairros modulares continuarão nas apresentações de PowerPoint — enquanto a crise da habitação ganha espessura de tragédia urbana.

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