Resumo
- Um espaço onde o ressentimento se transforma em identidade, a dúvida em hostilidade, e o outro em inimigo.
- Quando a primeira explicação que um jovem encontra é uma narrativa de ódio, dificilmente voltará a confiar numa alternativa democrática”, afirma Mariana Cruz, investigadora em media e juventude.
- A janela em que ainda é possível construir uma geração imune ao cinismo, capaz de resistir ao ruído e de escolher a cidadania em vez do tribalismo digital.
Lide:
Os relatórios recentes do RASI deixam o alerta: jovens portugueses estão a ser expostos a redes de radicalização online, onde discursos de ódio e teorias da conspiração circulam sem filtro. A chamada “captura cognitiva” ameaça uma geração — e o antídoto, urgente, passa por reforçar uma educação cívica crítica e transversal.
Corpo:
Não se trata apenas de trolls nem de memes. Por detrás das piadas partilhadas em fóruns anónimos, das “red pills” e das comunidades de masculinismo tóxico, esconde-se um ecossistema de radicalização calculado. Um espaço onde o ressentimento se transforma em identidade, a dúvida em hostilidade, e o outro em inimigo.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, crescem os sinais de jovens em contacto com discursos extremistas — nacionalistas, racistas, sexistas — mediados por plataformas digitais opacas. A polícia vigia, os serviços de inteligência observam, mas o fenómeno alastra nas entrelinhas: vídeos do YouTube, subreddits incendiários, contas no TikTok que seduzem com estética “anti-woke” e mensagens simplistas.
“Estamos a assistir a um processo de captura precoce da percepção do mundo. Quando a primeira explicação que um jovem encontra é uma narrativa de ódio, dificilmente voltará a confiar numa alternativa democrática”, afirma Mariana Cruz, investigadora em media e juventude.
A resposta não pode limitar-se à repressão nem ao moralismo. A chave está na educação — mas não numa versão inócua ou burocrática. Falamos de uma alfabetização democrática real: saber distinguir factos de manipulações, entender como funcionam os algoritmos, discutir o que significa viver com os outros num espaço comum.
É na escola, mas também nas famílias, nos clubes, nas redes e nos media, que se joga esta batalha. Precisamos de espaços onde os jovens possam debater, errar, repensar. Precisamos de professores com formação crítica, currículos com coragem e políticas públicas que olhem a juventude como parte da solução — não apenas como problema.
Porque há uma janela — e ela está a fechar. A janela em que ainda é possível construir uma geração imune ao cinismo, capaz de resistir ao ruído e de escolher a cidadania em vez do tribalismo digital.
O aviso está feito. Agora, ou se age com visão e urgência, ou deixamos que outros — mais ruidosos, mais hábeis — escrevam o guião da próxima década. E nesse guião, democracia poderá ser apenas uma palavra gasta, sem lugar real no vocabulário juvenil.